08/05/2002 - 10:00
A apresentação dos principais candidatos à Presidência no evento promovido pela Força Sindical, na segunda-feira 29, foi uma espécie de ensaio para Lula, Serra, Garotinho e Ciro Gomes. Tendo como cobaias os cerca de 1.500 convidados da central sindical, os presidenciáveis testaram o discurso que usarão na campanha. Tudo foi filmado pelas equipes de marketing para ser analisado minuciosamente. Os acertos e, principalmente, os erros virarão alvo de muita discussão entre as assessorias, cada vez maiores e profissionais. Lula, o favorito das pesquisas, estava em casa. O PT é irmão da CUT, adversária histórica da Força Sindical, mas as divergências pareciam não importar. Mesmo porque um dos mais empolgados com o discurso de Lula era o deputado Luiz Antônio de Medeiros (PL), fundador da Força e arquiinimigo do PT nas batalhas sindicais do século passado. Recebido como um herói da classe trabalhadora, o petista foi aplaudido várias vezes. Nem parecia que o candidato do presidente da central, Paulo Pereira da Silva, e de boa parte da militância é Ciro Gomes, do PPS. Lula, num terno muito bem cortado, estava como pinto no lixo. Mais à vontade, impossível.
Nos bastidores, a equipe do PT gravava tudo. A estratégia foi transformar o debate em palanque. Único candidato a falar em pé, Lula foi enfático. Contou passagens de sua vida, defendeu propostas e emocionou. “No meu tempo, a escola pública era tão boa que a gente ganhava a conga de graça”, comparou, provocando os risos de uma platéia que compartilhava das mesmas lembranças. Até um grupo de correspondentes estrangeiros que acompanhava a performance balançava a cabeça em sinal de concordância quando ele falava das desigualdades do País. “O Brasil não pode ter um salário mínimo menor que o do Uruguai.” Também foi testada na palestra-termômetro a velha questão da falta de experiência. “Quando fui entrar no movimento sindical, os mais velhos me diziam que eu precisava ter experiência. Eles têm medo de que um cidadão com o diploma de torneiro mecânico faça nesse País mais do que eles fizeram a vida toda.” Mais palmas.
Contraste – Enquanto Lula se comportava como numa assembléia de metalúrgicos, o senador José Serra (PSDB) era a encarnação do tecnocrata. Números, números e mais números. Tentava convencer de que o Brasil ainda não deu certo porque o governo passou oito anos “arrumando a casa.” Era proibido vaiar e a platéia aplaudia as perguntas, como quando se questionou o desemprego e o uso (ou não uso) da CPMF na melhora da saúde. “Olhando pra frente, a questão do emprego só vai ser resolvida se a gente tiver vontade política, competência e obstinação. É isso que deve ser comparado.”
Ninguém duvida da consistência de seu discurso, da lógica de seus argumentos a favor da continuidade, da coerência de sua vida pública. O problema é a embalagem. A turma que ganha muito bem para mudar a imagem de sisudo deve ter se arrepiado quando o candidato falou em “volatilidade do mercado” e citou o filósofo marxista Antonio Gramsci. Serra se comparou ao fundador do Partido Comunista Italiano: “Assim como Gramsci, eu também sempre fui pessimista nos diagnósticos e otimista na ação.” Mas o pior estava por vir. “Falta remédio gratuito? Não falta não…” O tucano não completou a frase. Um coro afinado gritou: “Faaaltaaa.” Foi preciso uma força de Paulinho, o anfitrião da tarde: “Vamos ouvir o candidato, companheiros.” Só então Serra explicou: “Uma coisa é faltar e outra é não chegar às pessoas. É diferente. Por que isso? Porque você não entrega o medicamento no prédio do Ministério da Saúde. Toda a distribuição é feita pelos municípios. Nós já começamos a mudar isso”, garantiu, no único antagonismo explícito com a platéia durante as quase cinco horas de debates. Não há dúvidas de que Serra vem se esforçando para parecer simpático. Ri sem jeito, faz piadas fora do tempo e não consegue marcar uma proposta de sua campanha. Isso é importante para um presidente? Talvez não, mas para um candidato pode ser fatal. O marqueteiro da campanha, seja Nizan Guanaes, Nelson Biondi ou Paulo Cesar Bernandes, vai ter muito trabalho para reverter a marca de “sem sal”.
Personagens – Mas, se Serra foi tímido, o ex-governador Anthony Garotinho (PSB) incorporou o estereótipo do político profissional. Prometeu casa, comida, escola, transporte. Só faltou a roupa lavada. Garantiu que, se for eleito, bastará o jovem ir até a Caixa Econômica Federal pegar seu crédito educativo e concluir a faculdade. A solução para o rombo da Previdência? “É simples. É só diminuir a taxa de juros. O que vai sobrar será suficiente.” Diz que abandonou a eleição certa para governador porque a Presidência é sua “missão”. E contou que explicou isso a seu filho Wladimir quando ele questionou: “Pai, porque o senhor vai entrar nessa roubada?” Garotinho respondeu: “Filho, você sabe quantas famílias brasileiras não têm lugar para morar? Sete milhões. O que o seu pai está fazendo é uma missão, renunciando aos interesses pessoais para fazer um país melhor.” Narrou seu encontro com a sem-teto Maria, “que morava com os ratos” e ganhou uma casa. “Antes, ela ia para um bueiro e de lá só saía quando via o primeiro raiozinho de sol”, contou.
Durante toda a palestra, jogou com os números usando a criatividade de um artista da bola, uma espécie de Ronaldinho Gaúcho dos palanques. Lembrou dos 11 mil empregos criados no estaleiro do Rio, das dez mil bolsas de estudo para carentes. Na empolgação, pisou na bola. No início de sua fala, havia dito que o Brasil tinha sete milhões de famílias sem casa para morar. Já quase no fim do discurso, esse total era de dez milhões – um crescimento de 43% em menos de uma hora. Tentou arrancar lágrimas contando a história de sua vida – a do menino que perdeu o pai e foi separado dos irmãos para morar com os parentes: “Ninguém queria ficar comigo.” Garotinho quis deixar a marca de homem que faz. Citou a diminuição dos índices de violência no Rio, os restaurantes populares que servem comida a R$ 1, a ressurreição da indústria fluminense. Só faltou o Piscinão de Ramos. Uma pena. Afinal, cada mergulho é um flash.
Companheiro – Mas se Garotinho foi um populista explícito, Ciro foi didático ao extremo. Nada do economês que caracteriza suas palestras para empresários. Na festa da Força Sindical, o ex-governador foi recebido com pompa. A chegada foi apoteótica. Não só pelo candidato, mas também pela atriz Patrícia Pillar, que pediu para ficar na mesa ao lado do marido. Ciro caprichou no sotaque nordestino, usou gíria, fez piada e agradou com um linguajar simples e direto. Falou em “perversão da miséria” e da “invasão estrangeira”. Arrancou risadas ao dizer que a fábrica de automóveis do futuro terá máquinas, um cachorro e um homem: “A máquina para fazer o trabalho, o cachorro para tomar conta da máquina e o homem para dar água ao cachorro.” Bradou contra o imperialismo: “A globalização é uma ideologia de quinta categoria que nos vendem como ciência.” Atacou os bancos: “Recolhem os maiores lucros do mundo no lombo de quem trabalha.” Era sempre muito aplaudido. Entusiasmado, agradeceu a “companheirada”.
Ao falar da violência, pediu a cumplicidade dos sindicalistas: “Cá entre nós, a batalha está perdida, mas não espalhem.” Ciro passou o recado que com ele no Palácio do Planalto os pobres vão ter alguém com autoridade para fazer as mudanças. Também vendeu experiência: “Eu não sou inocente.” “Para ser presidente tem que ter o apoio do povo, senão eles afogam o cara, como fizeram com o Chávez,” ensinou. A seu lado, muito séria, Patrícia Pillar concordava.