08/05/2002 - 10:00
Em 1989, um trio do PFL, operado pelas mãos ocultas do então presidente José Sarney, convocou o empresário Silvio Santos para tentar derrubar Fernando Collor de Mello na disputa presidencial. O triunvirato era formado pelo atual governador do Piauí, Hugo Napoleão, o senador Edison Lobão (MA) e o deputado Marcondes Gadelha (PB). A matreirice foi implodida por um tiro unânime do Tribunal Superior Eleitoral, que encontrou irregularidades na microlegenda grilada pelos pefelistas, o Partido Municipalista Brasileiro, no qual Silvio Santos estava albergado. Por causa do fiasco, a trinca incorporou à biografia o desconfortável apelido de “três porquinhos”. Estimulada pela recente pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes (CNT/Sensus), em que Silvio Santos aparece na segunda colocação com 17,8% das intenções de voto, quase quatro pontos acima de José Serra (PSDB-SP), a pefelândia voltou a embalar o sonho de que o apresentador troque os programas de auditório pelos palanques políticos.
Há 40 dias, com a iminente demolição da candidatura Roseana Sarney, Gadelha procurou o presidente do PFL, Jorge Bornhausen (SC), pedindo o aval para ressuscitar o nome do dono do SBT, hoje filiado ao PFL. “Há um mês falei com o Silvio e ele admitia ser candidato. A condição era que fosse procurado pelo PFL na sua integralidade”, conta o deputado. A tal integralidade se referia a Antônio Carlos Magalhães, o vice Marco Maciel e Bornhausen. O empresário, além do trauma da primeira experiência, temia a reação negativa de Bornhausen e ACM. Os dois caciques mudaram e já admitem incensar o homem do baú. ACM, tido como hostil à tese Silvio Santos, chegou a bater boca com o líder Inocêncio Oliveira (PE), na defesa de Silvio. “Já vi este filme. Não podemos entrar em outra aventura”, protestou Inocêncio na reunião dos capos do partido que discutia a pesquisa da CNT. “Não ponha em risco sua liderança, porque há muitos companheiros da bancada que defendem a tese”, advertiu ríspido o cacique baiano. ACM se referia à pesquisa interna do PFL,
na qual a maioria que defende candidatura própria cravou o nome
do apresentador.
“Eu combinei com o Bornhausen. Ele me deu liberdade de negociação e disse que devemos começar o trabalho de aproximação. O Silvio tinha medo de rejeição e o PFL, de levar um não. Agora é marcar o encontro”, revela Gadelha, que pretende visitar o empresário ainda esta semana. A única coisa que o presidente do PFL não quer é ficar com outro mico na mão. “Ele, Silvio, tem que se colocar. É um quadro importante, empresário de sucesso e um bom administrador. Claro que merece respeito. Se alguém postular, podemos revisar a pesquisa”, sintetiza Bornhausen, referindo-se à sondagem interna que preferiu a independência e descartou José Serra. Agora é esperar para ver se o apresentador irá consultar as cartas, pedir ajuda aos universitários ou, simplesmente, pular. A ameaça Silvio Santos tem três objetivos: afirmar o peso do PFL na sucessão, bombardear a candidatura Serra e, principalmente, apontar para a elite um nome capaz de derrotar Lula.
Enquanto isso, em São Paulo, terra de Silvio Santos, o PFL estadual fechou uma aliança com o governador tucano Geraldo Alckmin, que inviabilizaria a aposta no apresentador. Pelo acordo, que pode ser derrubado pela direção nacional do partido, o senador Romeu Tuma (PFL) disputa a reeleição com o apoio do PSDB.
Voando em altitude de cruzeiro, a candidatura de Lula – a única consolidada – atingiu os 38 pontos porcentuais nas duas pesquisas divulgadas na última semana (CNT/Sensus e GPP do PFL). O pulo, além de inquietar a elite brasileira, provocou um pandemônio por causa do relatório de dois bancos de investimentos externos: Merill Lynch e Morgan Stanley. Os dois agentes do capital especulativo aconselharam seus clientes a reduzir os investimentos em títulos brasileiros. Resultado: os papéis brasileiros mais valorizados no mercado – C-bonds – caíram e o chamado risco Brasil aumentou. A análise política dos bancos, com ares de oráculo pessimista, irritou os petistas e o ministro da Fazenda, Pedro Malan. “Não se justificam decisões como estas a partir de pesquisas”, alfinetou. Numa crítica indireta à omissão de Serra, FHC elogiou a intervenção do ministro. “Malan está fazendo o papel do Serra, que é o debate político”, disse FHC a um interlocutor. Mas a cúpula petista sabe que a campanha do terrorismo econômico contra a candidatura de Lula foi deflagrada.
Nos bastidores, a fim de neutralizar essas ações, o PT articula uma aproximação para tentar ter Ciro Gomes (PPS-CE) como candidato a vice de Lula. Concretizada, a aliança provocaria uma reviravolta no quadro sucessório e, teoricamente, poderia definir a eleição no 1º turno. O anúncio foi feito na terça-feira 30, pelo líder do PT, João Paulo (PT-SP). Depois de mapear os problemas na coligação com o PL do senador José Alencar (MG), os petistas concluíram que o casamento seria possível em apenas cinco Estados. “Com o PL acabou. O Ciro reduziu as críticas contra o PT e Lula está sempre sendo convidado para os eventos da Força Sindical”, revela o líder do PT. A central, braço trabalhista do PPS, é presidida por Paulo Pereira da Silva, que, junto com o deputado Luís Antônio Medeiros (PL-SP), estaria promovendo a aproximação entre Lula e Ciro. Segundo os petistas, o namoro tem ainda o discreto empurrão do ex-governador Tasso Jereissati. O PT considera a aliança factível por causa do iminente esfacelamento da frente trabalhista entre PPS, PTB e PDT. “Há mil dias eu e Ciro propusemos isso ao Lula. Nos desprezaram. Plantar isso agora, além de serviço malfeito, é deselegante, deseducado”, rechaça o líder do PPS, João Hermann (SP), sublinhando que a conversa está restrita à eleição de São Paulo.
As direções do PTB e PDT queriam excluir o PPS das coligações estaduais. Com a ameaça da retirada da candidatura de Ciro pelo presidente do PPS, senador Roberto Freire (PE), brizolistas e trabalhistas amenizaram a ameaça. O exercício semântico traduzido em notas oficiais, entretanto, não apagou a impressão de que os dois partidos planejam apear da candidatura manufaturando um pretexto qualquer. Freire disse que a “desconfiança” abre espaço para o “esgarçamento” da candidatura Ciro. “Quais os objetivos desta discriminação, será que o PTB está fazendo o jogo do governo?”, insinua o vice-líder do PPS, Régis Cavalcanti (AL). Em 1998, o PTB fez o papel de coveiro de Ciro. Às vésperas de fechar o prometido acordo com o PPS, o PTB acabou no colo dos tucanos. Quem conhece Leonel Brizola aposta que ele está jogando para sair candidato numa fusão com o PTB. “Está caminhando para ele ser ‘forçado’ a se lançar candidato”, acredita o deputado Vivaldo Barbosa (PDT-RJ), um brizolista histórico.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), criado para assegurar a livre concorrência, desprezou a lei ao alugar o prédio onde funciona sua sede atual. O negócio foi feito sem licitação e rendeu ao ex-presidente da autarquia Gesner Oliveira, hoje um dos coordenadores do programa de governo de José Serra, um processo por improbidade. O contrato, do final de 1999, envolve um prédio no coração de Brasília, de propriedade de duas empresas de engenharia dos irmãos Cícero e Daltro Noronha Barros, a Stylos e a Espaço. Elas fizeram doações para as duas campanhas de Fernando Henrique. Em 1998, a Espaço contribuiu com R$ 334 mil, tanto quanto Pedro Piva, dono da Klabin, que doou R$ 360 mil.
O Ministério Público apura se a locação não escondeu uma lavanderia de doações. “O procedimento administrativo foi montado para dar aparência de legalidade de uma escolha prévia, com critérios secretos”, afirma o procurador Luiz Francisco de Souza, autor da ação. Pelo contrato, o Cade pagaria aos irmãos Barros R$ 40 mil mensais, preço acima do mercado. Dois meses antes, a estatal Radiobrás recusou uma oferta da Stylos para pagar R$ 28 mil mensais de aluguel. Gesner alegou “necessidade urgente” para instalar a autarquia, mas o Cade levou seis meses para ocupar a nova sede, mas pagou o aluguel do prédio vazio (R$ 240 mil) nesse período. O ex-presidente do Cade também assegurou que os valores estavam “dentro dos parâmetros”. Mas, pelos cálculos do MP, o dinheiro gasto com quatro anos e dois meses de aluguel – R$ 1,9 milhão – daria para comprar o imóvel. Além do aluguel superfaturado, o Cade também gastou dinheiro público em benfeitorias no patrimônio dos Barros. Desembolsou R$ 220 mil em reformas e instalações. No mês passado, foi concluída a restauração do auditório, ao custo de R$ 311 mil. Os acusados perderam a primeira batalha. A Justiça está bloqueando uma parte do aluguel, enquanto decide sobre a anulação do contrato e o ressarcimento do dinheiro, como pedem os procuradores.