O governo federal pode ter de pagar pelo menos duas vezes por uma mesma obra. Trata-se do trecho de 240 quilômetros da Ferrovia Central do Paraná, entre as cidades de Apucarana e Ponta Grossa, construído em 1968 pelo consórcio Transcon-Amurada, liderado pela empreiteira C. R. Almeida. Há 10 anos o Estado do Paraná cobra na Justiça o ressarcimento, pelo governo federal, de “todas as despesas” com a ferrovia, que, segundo a procuradoria estadual, foi executada com o compromisso de receber de volta do Tesouro Nacional o dinheiro investido. A ferrovia só foi construída graças a um empréstimo externo feito pelo Estado com o aval da União que alega já ter pago a sua parte no acordo, como tinha sido formalizado em convênios assinados entre as partes na década de 70. Ainda este ano o Supremo Tribunal Federal vai definir quem tem razão nesta briga.

Se for condenada, a União terá que pagar uma dívida atualizada estimada em R$ 20 bilhões. Isto significa um desembolso 43% maior que todo o corte de despesas feito pelo governo Lula no orçamento da União, além de comprometer a meta de superávit primário de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB) acertada para este ano entre o governo brasileiro e o Fundo Monetário Internacional. O valor atualizado da ação é gigantesco se comparado, por exemplo, com os R$ 216 milhões recebidos pela União na privatização de toda a malha ferroviária do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

O julgamento do Supremo está sendo feito por 9 dos 11 ministros, já que Sepúlveda Pertence e Gilmar Mendes se consideraram impedidos por envolvimento direto ou indireto com o tema. Até a semana passada a ação impetrada pelo Paraná tinha sido classificada improcedente por três ministros do Supremo – o relator Ilmar Galvão, Ellen Gracie e Maurício Correia – e considerada justa por Nelson Jobim. Ainda faltam os votos de outros cinco ministros. O debate no Supremo é polêmico e já foi paralisado duas vezes com pedidos de vistas de ministros. A ação está agora com o ministro Carlos Veloso que pediu prazo para se manifestar.

A controvérsia entre o Paraná e a União começou em 1979 quando a C. R. Almeida entrou com mais de 20 ações na Justiça contra o Estado alegando que ainda tinha a receber pela obra. Depois da condenação na Justiça estadual, em 1993 o governo paranaense entrou com uma ação cível no Supremo cobrando da União as indenizações pagas na desapropriação de terras para a construção da ferrovia e por outros serviços prestados pela empreiteira. O principal argumento do Estado é que a União se comprometeu, em convênios formais, a indenizar “todas as despesas” do Paraná com a ferrovia, que fazia parte do Plano Ferroviário Nacional e depois foi incorporada ao patrimônio da Rede Ferroviária Federal ainda na fase estatal. Procurado por ISTOÉ para se manifestar sobre o caso, o governo do Paraná nada respondeu.

A decisão da Justiça estadual deu à C. R. Almeida o direito de receber
as dívidas atualizadas, com juros, além de indenização por perdas e danos, ultrapassando os R$ 20 bilhões. “A ação do Paraná é uma aventura judiciária”, critica o advogado-geral da União, Álvaro Ribeiro
da Costa. Uma perícia contábil feita há dois anos a pedido do Supremo constatou que o governo federal já pagou US$ 84,5 milhões, muito mais que o limite fixado na primeira cláusula do convênio assinado entre
a União e o Paraná em julho de 1971. Uma semana antes de deixar
o cargo e atendendo pedido do então governador Jaime Lerner,
o presidente Fernando Henrique Cardoso tentou fazer um acordo para fazer os pagamentos, mas a solução foi vetada pela advocacia geral
da União por considerar a dívida indevida.