31/05/2006 - 10:00
O maquiavélico Ricardo III é um
dos mais grandiosos personagens
de William Shakespeare (1564-1616) – trata-se do rei que trocou o seu reino por um cavalo. Shakespeare o fez encarnar a ambição desmesurada pelo poder e a prática da política sem ética e sem moralidade. Ricardo III está nos palcos de São Paulo em duas ótimas montagens, uma com direção de Jô Soares, a outra sob a direção de Roberto Lage. O ator Marco Ricca, na versão de Jô, interpreta um Ricardo III mais cômico, mas nem por isso menos cruel. Já Frateschi, que fez a adaptação e protagoniza o seu próprio espetáculo, não economiza na dose de cinismo, corrupção e violência. A obra do genial dramaturgo inglês, convenhamos, guarda uma incrível contemporaneidade e parece ter sido esse o motivo de as duas encenações entrarem em cartaz quase simultaneamente. Em sua escalada golpista pelo trono da Inglaterra, o duque de Gloucester, título de Ricardo III antes de ser coroado rei, arma uma rede de intrigas, corrupção e derramamento de sangue – para ter o poder, vale tudo, assim pregava o duque que se “fingia santo para demonizar”.
“Ricardo III mostra o fascínio
humano pelo poder e por isso
será sempre atual”, diz Jô Soares.
“A peça é uma disputa de gangues
pela coroa britânica. Ricardo III tinha
o seu José Dirceu, quer dizer, o seu Buckingham (principal assessor e cúmplice do rei).” Frateschi, que já esteve no poder como secretário da Cultura da ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy, é econômico na ironia. “Nossa montagem cria um diálogo entre Shakespeare e o público contemporâneo. Cada espectador é livre para fazer paralelos”, diz ele. Frateschi encarna o personagem com mais força, mas a tradução do texto shakespeariano protagonizado por Ricca é mais poética e linear. Jô Soares é o responsável pela versão. “Essa pesquisa me transformou num especialista em castas da Idade Média inglesa. Parecia família de português: todo mundo chamava Eduardo ou Ricardo, assim como em Portugal se tem Manoel ou Joaquim…”, brinca o humorista.
Segundo ele, sua tradução evidenciou os papéis femininos. Sorte das atrizes
Denise Fraga e Glória Menezes, que interpretam, respectivamente, a rainha
Elizabeth e a duquesa de York. “É muito enriquecedor para uma atriz ter esse
papel nas mãos. Trata-se de uma mãe que sofre a dor de perceber que o seu filho
é capaz de cometer todas as atrocidades”, diz Glória. O fato de haver duas montagens de um mesmo espetáculo poderá dividir o público? A resposta é
“não”, nas opiniões de Jô Soares e Frateschi. “Em 1969, quando dirigi Romeu
e Julieta no teatro, estreou nos cinemas brasileiros o Romeu e Julieta de Franco Zeffirelli. Juro que eu não me senti em desvantagem”, diz Jô.