12/03/2003 - 10:00
Pai de três mulheres, o economista e consultor de empresas chileno Julio Lobos, 57 anos, tem razões profundas para se preocupar com o universo feminino. PhD em relações industriais pela Cornell University, nos EUA, ex-professor visitante da London Business School, ele veio para o Brasil para dar aulas na Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo, em 1974, e foi conquistado pela informalidade do povo brasileiro. Desde então, mantém seu olhar no mercado empresarial. E agora resolveu juntar a formação acadêmica e profissional à preocupação doméstica para se tornar um pesquisador de mulheres de sucesso. Passou os últimos dois anos e meio colhendo informações sobre 550 delas, em todos os Estados. Ele quis saber se estavam felizes com sua trajetória. Descobriu que sim. Elas vão muito bem, obrigada. Mas não estão preocupadas com seu papel social. Ao mesmo tempo que homenageia essas mulheres poderosas em seus dois últimos livros – Mulheres que abrem passagem, lançado em 2002, e Amélia, adeus, que acaba de chegar às livrarias –, o pesquisador critica o comportamento individualista e a falta de consciência sobre o poder que têm. De sua casa em Jundiaí (SP), Julio Lobos falou a ISTOÉ:
ISTOÉ – Como surgiu a pesquisa e o que exatamente
 o sr. quis estudar?
 Lobos – No primeiro livro, avaliei a situação                da mulher que após cinco mil anos está numa situação                absolutamente inédita, nunca antes imaginada, inclusive por                ela. Ao longo da história a mulher foi subjugada por motivos                religiosos, e até científicos. Fiquei espantado ao                perceber o quanto tinha sido roubado da mulher durante os séculos.                Decidi entrevistar executivas e empresárias e Amélia,                adeus é o resultado dessa pesquisa. Fala sobre como conciliam                trabalho e família, sobre discriminação, poder                e ética. Fala como chegaram a ser o que são e como                não são o que a mídia, principalmente, diz                que são. A empresária e a executiva simbolizam a mulher                de sucesso, mas a presença delas no mercado dá a entender                que muitas outras chegaram lá.
ISTOÉ – O sr. quer dizer que isso não                é verdade?
 Lobos – Não se discute se a mulher pode se                igualar ao homem. Mas isso não é realidade. Se houvesse                igualdade, ela ganharia os mesmos salários e estaria em todos                os setores industriais. Do total dos 1.500 executivos no comando                das 500 maiores empresas, as mulheres são apenas 60, o que                dá 4%. As pesquisas que dizem que as mulheres ocupam 30%                dos cargos executivos são irreais. Na verdade, elas se concentram                em setores como recursos humanos, marketing, promoção                e vendas, mas não há tantas em tecnologia, em finanças.                Os números sobre diferença salarial são dúbios,                uns dizem que é de 15%, outros que é de 30%. A mulher                não tem hoje a projeção que se diz, o que é                muito ruim para ela. Porque se imaginamos que ela já chegou                lá, não vamos nos preocupar com ela nem com seus conflitos.
ISTOÉ – As empresas não estão                preocupadas 
 com a questão feminina?
 Lobos – Por que uma empresa iria se preocupar com                a questão das mulheres que chegam aos 35 anos, tida como                idade limite para ter filhos? Em igualdade de condições,                a empresa prefere apostar no homem. As mulheres poderosas já                têm uma identidade e sobretudo se mostram diferentes das de                países mais avançados, mas falta muito ainda.
ISTOÉ – Qual é a diferença?
 Lobos – Algumas pesquisas dizem que as que se dedicaram                à carreira são tristes e solitárias. A minha                não diz isso. Talvez gostássemos que isso fosse verdade                porque soa poético. Mas a brasileira está bem em casa.                Muitas são casadas e se dizem apoiadas pelos parceiros. Não                no sentido de que o marido lava roupa, cuida das crianças,                até porque elas têm mães ou serviçais                para isso, coisa que a americana não tem. A poderosa brasileira                tem espaço para outros em sua vida, o que não acontece                nos Estados Unidos e na Inglaterra. Nos países mais avançados,                a relação com o trabalho atropela o lar. O livro chama-se Amélia, adeus porque fica claro na pesquisa que a                brasileira executiva pioneira que apareceu nos anos 70 veio para                ficar.
ISTOÉ – Mas o sr. acha que ainda havia dúvidas                quanto a isso?
 Lobos – Eu cheguei no Brasil nesta época para                lecionar na Getúlio Vargas e até nós, professores,                víamos essa mulher como uma esportista, alguém que                passava o tempo antes de casar. Ela não era uma concorrência                real. Isso passou. Trinta anos depois, essas mulheres estão                aí para fazer carreira, casadas ou solteiras, com ou sem                filhos. E procuram no trabalho não apenas prestígio                e dinheiro, mas uma alternativa existencial. Elas querem algo que                valha a pena.
ISTOÉ – As mulheres estão confortáveis                na administração da vida profissional e da familiar? 
 Lobos – Elas estão conseguindo administrar                as duas coisas. Há diferenças entre conseguir administrar                e estar confortável. O que ocorre nos EUA, que é onde                nos espelhamos, é que a americana está muito desconfortável.                Ela não tem onde deixar os filhos, ela casa com alguém                e faz um contrato. A brasileira deixa os filhos com babás                ou parentes e não tem essa noção de contrato                comercial com o marido. A relação é de companheirismo.                A maioria das executivas brasileiras não se sente culpada                por deixar o lar “abandonado”. Elas acham que esta é                a vida. E por esta razão, infelizmente, as empresas não                são objeto de crítica por não dar atenção                às particularidades femininas.
ISTOÉ – Não há um certo pudor                da mulher em relatar dificuldades por não estar se dedicando                mais à família, já que isso não faz                parte do discurso masculino?
 Lobos – O ponto de realização pelo                qual essa mulher está curiosa
 é a carreira. Ela está fascinada pelos mistérios                da profissão, que ainda
 é masculina. Mandar, comandar, demitir, fazer investimentos,                assumir riscos é masculino. Há pudor no sentido de                não dar a entender o que
 está acontecendo com ela. Ela segura essas expressões                porque não
 quer mostrar fraqueza. Ela está num círculo no qual                não pode externar isso. Mas a funcionária que ganha                pouco, tem que pegar um trem
 e não tem com quem deixar os filhos tem um problemão.                Vive uma situação igual à da americana.
ISTOÉ – A flexibilização de                horários, que não é uma prática no Brasil,                não seria uma solução?
 Lobos – Isso é lírico. Fala-se nisso                há 20 anos. Não convém às
 empresas. Nada acontece sem pressão política. E a                pressão vai vir de onde se as mulheres não são                unidas? Não há platéia masculina para problemas                femininos. Por isso a mulher poderosa que estudei é tão                importante. Ela é formadora de opinião. Só                que é solitária politicamente. Ela não se interessa                em formar uma classe em defesa das questões femininas. Para                o homem também existe a preocupação com a família.                Mas ele não fala. Quando a mulher cai no mundo do poder,                do domínio, suas reações não são                muito diferentes das masculinas. A mulher presa
 a este esquema hierarquizado, corporativo, vai ser subjugada do                mesmo modo que o homem foi.
ISTOÉ – Mas em países europeus, por                exemplo, há uma
 grande preocupação com qualidade de vida, que inclui
 o tempo com a família.
 Lobos – Na Europa é diferente. Até                os homens têm licença maternidade prolongada. Há                uma tradição socializante. O Estado cuida do cidadão,                com saúde, educação, previdência. A questão                ideológica condiciona a economia. Nos EUA, é o contrário.                O Estado não financia nem as empresas têm subsídios                por isso. Para mudar alguma coisa, é preciso ser politicamente                forte. Nos EUA, o ministro responsável pela área de                comunicações recebeu uma carta com cerca de um milhão                de assinaturas de mulheres que não querem apenas ser contratadas,                mas também galgar postos de comando e salários.
ISTOÉ – É necessário, então,                fazer mais barulho?
 Lobos – Se no mercado há centenas de cargos                de diretoria e eu tenho apenas duas ou três mulheres na disputa,                por que se preocupar com elas? Agora, se houvesse 250 contra 250                seria outra história. As mulheres não ocuparam nem                os 30% a que tinham direito nos partidos políticos. E isso                ocorre tanto aqui quanto na Inglaterra. A mulher, em geral, não                tem apetite para o poder como o homem tem.
ISTOÉ – Mas tem a preocupação                com o bem comum. Por que isso não se traduz em representação                política?
 Lobos – A mulher poderosa ralou muito para chegar                onde está. Ela sabe disso e, em geral, está preocupada                em se sustentar onde está. Quanto mais se sobe mais o ar                fica rarefeito. Não há união nem interesse                em asfaltar o caminho para as que vêm atrás.
ISTOÉ – A mulher proletária tem mais                capacidade de organização que a executiva?
 Lobos – Historicamente sim. As primeiras expressões                feministas foram de artistas no século XIV. Depois, as feministas                vindas do movimento sindical europeu. Elas encontraram guarida para                as suas idéias nas assembléias sindicais entre as                duas grandes guerras. Muitos criticam o movimento feminista, mas                foi ele que conseguiu mudar alguma coisa. Uma mulher executiva é                tratada na empresa como executiva, enquanto uma mulher no seio do                sindicato tem que ser tratada como força política.                Dentro das empresas, a mulher se diz feliz e não discriminada.                Ela desfruta uma posição de equilíbrio perante                seus colegas homens nas reuniões, no relacionamento no trabalho.                Nesse sentido, não é discriminada. Mas ela não                ocupa 50% dos cargos executivos e ganha menos.
ISTOÉ – Ela considera a discriminação                subjetiva e não a objetiva?
 Lobos – Exatamente. Ela não vê ou não                quer ver a discriminação. Ela se preocupa com discriminação                cosmética. Mas isso não a leva a melhores salários                e cargos. Há dez anos sai da Getúlio Vargas e da Escola                Superior de Propaganda e Marketing, de São Paulo, o mesmo                número de homens e mulheres formados. Como se explica um                desnível tão grande dentro das empresas? Esse é                um indicador de que há uma discriminação institucional.
Luta feminina
      
 A igualdade entre mulheres e homens é fundamental para um efetivo combate à pobreza extrema e à fome no Brasil e no mundo. Esta tese foi apresentada na sexta-feira 7 pela ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Emília Fernandes, 53 anos, na sessão da ONU em homenagem ao Dia Internacional da Mulher. Esta foi a primeira vez, em 47 anos, que o Brasil foi representado na sessão especial por uma mulher do primeiro escalão. Segundo a ministra, o Programa Fome Zero, criado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é um bom exemplo. “Nas áreas carentes do Brasil, a maioria das casas tem mulheres como responsáveis, pois os homens migraram para outras regiões em busca de emprego”, comenta. Emília destacou a experiência de Lula, filho de migrantes e membro de uma família que teve como chefe da casa a mãe, como fator positivo para defender a causa das mulheres.
A ex-senadora do PT do Rio Grande do Sul defendeu a paz e relatou as mudanças que o governo Lula está realizando. “Pela primeira vez, o Brasil tem quatro ministras mulheres”, destacou. Emília falou em português, com trechos em espanhol em homenagem ao Mercosul. Criada em Livramento, na fronteira com o Uruguai, ela tem o espanhol como segunda língua. “Foi uma opção política falar em português”, afirmou. Quando voltar de Nova York, Emília Fernandes, que é mãe de dois filhos, vai se engajar na luta pela preservação das conquistas das mulheres, como a licença maternidade de 120 dias e a aposentadoria aos 55 anos. “Já avisei ao Ricardo Berzoini (ministro da Previdência) que isto é intocável. E vou integrar as mulheres nessa luta”, afirma. Como aliadas, ela inclui as outras três ministras, as 44 deputadas federais e as dez senadoras. “As mulheres realmente estão vivendo mais. Mas têm uma sobrecarga de vida, pois trabalham, cuidam das tarefas domésticas, dos doentes, dos idosos e, claro, dos filhos. É, no mínimo, uma tripla jornada de trabalho”, afirma.
Eduardo Hollanda