A publicitária e fotógrafa Kátia Ricomini – 27 anos e 140 quilos distribuídos em 1,65 metro – sentiu várias vezes na pele, no corpo e na mente o peso do preconceito contra os gordos. Sabe bem o que é isso. Numa recente entrevista em busca de emprego, foi esnobada e ainda aprendeu como o silêncio pode significar uma humilhação suprema. Foi dispensada pelo entrevistador, sem uma pergunta sequer, assim que ele lhe bateu os olhos. “E eu não seria recepcionista de academia de ginástica”, brinca. A vaga era para contato publicitário, um trabalho em que ela falaria com as pessoas pelo telefone. Em vez de se abater, Kátia resolveu enfrentar o inimigo. Criou na internet uma revista virtual, a Criatura GG, para espalhar denúncias de intolerância contra os gordinhos. Conseguiu a façanha de atingir quase mil visitas diárias e se tornou fotógrafa exclusiva de belas modelos rechonchudas. Atenta a tudo que envolve o tema, cobra das autoridades a execução de leis que são pouco usuais, como as que permitem que as pessoas mais gordas entrem nos ônibus pela porta da frente, evitando a catraca e o constrangimento. A lei vigora em cidades como Porto Alegre, Santos e São Paulo.

Enquanto nos Estados Unidos os gordos exibem um enorme poder político, no Brasil, a comunidade GG, como eles se autodenominam, começa a se articular para brigar pelo direito de serem como são, em todas as suas dimensões volumosas, como nas imagens do pintor colombiano Fernando Botero. Uma das militantes do movimento, que começa a despontar no Brasil, é Denise Neumman, 40 anos, 130 quilos e 1,61 metro. Ela lançou a Magnus Corpus – corpo grande, em latim. Um grupo voltado principalmente para ajudar quem sofre discriminação no trabalho. “Ninguém quer contratar um gordo. Acham que eles são preguiçosos, lentos e sem força de vontade.” Denise encaminha as vítimas aos advogados e acompanha os processos. Como uma espécie de missionária, promove encontros com outras pessoas obesas. Em reuniões informais ressuscita a auto-estima de suas parceiras. Distribui mensagens de auto-aceitação e as convence a enfrentar a exposição pública. Entre suas bandeiras está o combate à onda de dietas, segundo ela, oportunistas e perigosas.

A comunidade GG no País dá seus primeiros passos inspirada no que acontece nos Estados Unidos. A Magnus Corpus se associou a organizações peso pesadas como a ISAA – International Size Acceptance Associotion –, em ação nos Estados Unidos desde 1960 e que faz parte de uma aliança internacional do chamado “movimento fat”, que une países como Austrália, França, Noruega, Nova Zelândia e Rússia. Pode parecer pouco, mas é o começo num país sem a menor tradição em luta por direitos civis. O movimento vem angariando aliados como o especialista em obesidade Thomas Szegö, integrante da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e cirurgião do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, e crítico feroz da condição do obeso no Brasil. “Centralizamos a atenção no gordinho e tiramos a atenção dos outros.” Segundo ele, toda a dinâmica familiar precisa de uma “Geni” – referência à famosa canção de Chico Buarque – e neste caso sempre é o gordo.

Nos Estados Unidos, os obesos também são vistos como cidadãos de segunda classe, mas são bem mais conscientes de seus direitos. Existem mais de 80 organizações que congregam multidões de revoltados da pesada. Num país onde cerca de 60% da população tem mais gordura do que seria recomendado para seu tipo físico – contra 30% no Brasil –, o movimento dessas massas ameaça agitar a maioria dos políticos. Afinal, eles são eleitores. “A balança da Justiça não deve estar relacionada à da farmácia”, diz Sally Smith, 96 quilos, do grupo National Association to Advance Fat Acceptance (Naafa), uma das associações americanas mais importantes no movimento pela aceitação de gordos. As estatísticas que Smith mostra são preocupantes: 80% das mulheres com mais de 100 quilos se queixam de discriminação no trabalho.

Harry Gosset, 189 quilos, autor do livro Fat chance (algo como Chances gordas), aponta outros problemas: “Muitos obesos, gordos ou gente um pouco acima do peso considerado normal não são aceitos nos planos de saúde, mas nem todos merecem pagar taxas especiais”, diz o escritor. A luta por melhores condições de vida vai dos hospitais aos assentos de automóveis e aviões. A Naafa não desiste da luta. A organização teve sucesso em sua campanha de lobby junto à Mantel, a gigante dos brinquedos que molda a silhueta impossível da famosa Barbie, para o lançamento de uma linha de bonecas gordinhas. Hoje, nos Estados Unidos, é possível uma menina embalar nos braços figuras rechonchudas. Infelizmente, não há ainda um Ken, o namoradinho da Barbie, acima de seu peso ideal.