A hipertensão, ou a popular pressão alta, é uma doença cruelmente silenciosa, capaz de levar ao infarto, ao acidente vascular cerebral e até mesmo a uma falência renal. Tem uma abrangência impressionante: atinge um em cada quatro brasileiros adultos. Uma de suas marcas mais preocupantes é o desconhecimento. Só a metade de todos os hipertensos por aqui sabe que tem a doença. Entre os que sabem, só a metade se cuida. E, entre estes que tentam algum tipo de controle, novamente apenas a metade – ou seja, só 12,5% do total – consegue fazer a pressão voltar a índices toleráveis. Por isso, trazer o paciente ao consultório é um desafio tão grande quanto controlar a doença. Mas uma nova e extensa pesquisa, feita com 1,5 mil pacientes de todo o País pela empresa Larc, especializada em estudos médicos, mostra que outras causas além da falta de informação interferem neste quadro. A principal delas é a ausência de diálogo e atenção dos médicos com seus pacientes.

Para 37% dos entrevistados, os especialistas não dão atenção necessária durante a consulta. A queixa é a de que eles apenas prescrevem medicamentos sem ouvir o que os doentes têm a dizer ou a perguntar. Na opinião de 75% dos consultados, o acompanhamento médico seria uma ajuda fundamental para cumprir corretamente as orientações do tratamento. Para 24% dos pacientes, ser informado sobre a doença seria outro importante fator de estímulo. O dado mais contundente mostrou que 79% dos entrevistados gostariam de ter um relacionamento mais próximo com seus médicos. Isso quer dizer contar com uma atenção individualizada e se sentir à vontade para, por exemplo, ligar solicitando algum esclarecimento. “O trabalho mostra que a relação do médico com o doente pode ser decisiva no tratamento”, afirma Roberto Arruda, diretor da área de medicina geral do Laboratório Novartis, empresa que encomendou a pesquisa.

A doença não apresenta sintomas próprios. Não gera dor nem outro sinal agudo
que obrigue o doente a se medicar. Por essa razão, as pessoas não tomam remédio ou só o fazem quando sentem que não estão bem. Por isso, tradicionalmente a
culpa pela falta de continuidade no tratamento, na suprema maioria dos casos, é atribuída aos pacientes. Há dezenas de medicamentos para combater o mal. Mas, em muitos dos casos, ele pode ser controlado apenas com a adoção de hábitos simples, como abandonar o sedentarismo e adotar uma alimentação saudável e quase totalmente livre de sal. Em outros, essas práticas podem ser combinadas a remédios em doses menores. Mas os médicos não sabem como convencer os milhares de hipertensos a aderir aos exercícios moderados, às dietas controladas
e a tomar o remédio corretamente.

Ao indicar o descontentamento dos pacientes com a falta de um contato
maior com os médicos, a nova pesquisa põe em evidência um problema crônico
da medicina atual, como aponta o médico Décio Mion, chefe da Liga de Hipertensão do Hospital das Clínicas de São Paulo. “O médico avalia mal. As consultas são cada vez mais curtas, não há tempo
para falar sobre a doença, o tratamento
ou sobre outros aspectos da vida do doente”, explica Mion. Quando há cumplicidade nessa relação, o efeito é outro. O auditor fiscal tributário Roberto Esteves Vagnozzi, 38 anos, sabe bem disso. Ele decidiu mudar de médico porque não recebia a atenção de que precisava. “Ele apenas receitou remédio. Não fiquei satisfeito. Procurei outro especialista. Orientado, comecei a fazer atividade física e melhorei minha alimentação. Mantive a doença sob controle sem medicamento por um bom tempo”, lembra Vagnozzi, que hoje voltou a tomar remédio, mas com rigoroso acompanhamento.

O contato precário também interfere no diagnóstico. “Poucos médicos fazem a medida da pressão arterial durante a consulta. Mas essa avaliação é importante”, diz o presidente da Sociedade Brasileira de Hipertensão, Robson dos Santos. Ele ressalta que o risco é acentuado porque as pessoas também desconhecem as conseqüências. Não vão ao médico porque são hipertensas, mas em razão de uma dor de cabeça ou tontura, não necessariamente sinais de pressão alta. Quando os sintomas desaparecem, abandonam o remédio e não retornam ao consultório. “É um erro grave”, diz Santos.

A falta de atendimento médico adequado atinge também as companhias de assistência médica e os cofres públicos. Pelos dados da pesquisa Larc, 76%
dos entrevistados afirmaram mudar de médico quando não ficam satisfeitos com
o atendimento. Isso significa um aumento de custos no tratamento. Em geral, inicia-se o processo do zero, com a repetição desnecessária de exames e procedimentos. Um contra-senso numa época em que a palavra de ordem é reduzir despesas.
Esse fato levou algumas empresas a criar programas de monitoramento dos tratamentos para evitar que os pacientes deixem de obedecer às orientações e
se sintam bem acompanhados.

Uma dessas experiências foi adotada há três anos pela Associação Beneficente dos Empregados em Telecomunicações, responsável pela administração dos planos de saúde das principais empresas de telefonia do País. Com o acompanhamento por meio de telefonemas e visitas freqüentes, lembrando aos doentes coisas importantes como tomar o remédio na hora certa ou diminuir o sal da comida, a empresa reduziu os gastos. “Antes do programa, cada paciente custava ao plano, por mês, R$ 874. Hoje caiu para R$ 277”, afirma Paulo René, presidente executivo da associação. Experiência similar está sendo feita pelo Ministério da Saúde, em parceria com entidades médicas como a Sociedade Brasileira de Cardiologia. Dirigido a hipertensos e diabéticos, o programa inclui ações de prevenção e acompanhamento integral com distribuição de remédios e visitas domiciliares aos pacientes atendidos pelo SUS. Cerca de 3,1 milhões de hipertensos já estão cadastrados. É mais uma aliança contra a doença.