21/11/2002 - 10:00
Nada como remexer no baú de imagens do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. As fotografias revelam a importância de Marisa Letícia Lula da Silva na sua vida. Mostram que a dona-de-casa que vai substituir a antropóloga Ruth Cardoso é uma ativista política de primeira hora, desde os velhos tempos do movimento sindical. Marisa, 52 anos, nunca quis ficar sob os holofotes, no centro do palco. Mas, nas fotos, ela está sempre perto de Lula,
nas passeatas, nas campanhas eleitorais, nas famosas viagens pelos grotões do Brasil, batizadas de Caravanas da Cidadania. Durante a campanha e agora, no período de transição, Marisa continua ao lado
do marido nas reuniões políticas. Quando ela não está, Lula sente
sua falta. Num dos últimos jantares da campanha, na casa de um empresário, um garçom veio oferecer a Lula uma bebida. Ouviu,
surpreso, uma pergunta: “Não, obrigado. Você viu a Marisa?” Nas
reuniões de campanha, Lula cansou de avisar aos assessores: “Não atendo ninguém, a não ser que seja a Marisa.”
Voz de decisão – Ai de quem vier lembrá-la a velha máxima “Atrás de um grande homem há sempre uma grande mulher”. Foi o que um conhecido fez a título de elogio e ouviu a reparação: “Não, atrás não. Ao lado de um grande homem há sempre uma grande mulher.” Uma mulher com opiniões próprias, mas tímida e discreta, que conseguiu, durante a campanha, driblar os jornalistas, na maioria das vezes. Não gosta de ver a imprensa dar mais importância ao seu visual – como o corte novo do cabelo, a cor de seu esmalte ou os modelitos que usa. Acredita, e com razão, que mais interessante é sua história ao lado de Lula. Marisa decidirá muitas coisas, a começar pelo lugar onde o casal presidencial vai viver.
No Palácio da Alvorada, onde mora Fernando Henrique com Ruth, ou na Granja do Torto, que abrigou o general João Batista Figueiredo e sua mulher, Dulce? Na bolsa de apostas de amigos do casal Silva ganha a opção Granja do Torto, com sua área verde e churrasqueira. Neta de italianos, Marisa se criou num sítio em São Bernardo do Campo, onde tinha plantação de batata e milho e criação de galinhas e porcos. A vida era simples, mas, ao contrário da história de miséria da família de seu marido, Marisa sempre contou com fartura de comida em casa. Foi ela quem escolheu o terreno do sítio do casal, batizado de Los Fubangos, nas margens da represa Billings.
Ainda não há uma data marcada, mas já está decidido que Marisa irá para Brasília antes da posse de Lula para encontrar Ruth e conhecer o Alvorada e a Granja do Torto.
Doutora em Brasil – A futura primeira-dama levará para a capital uma bagagem enorme e bem diferente da de suas antecessoras: o conhecimento da dura realidade do País. Assim como o marido, Marisa não tem diploma superior, mas tornou-se doutora em Brasil depois de percorrer mais de 40 mil quilômetros de ônibus pelos lugares mais miseráveis junto com Lula nas caravanas realizadas entre 1993 e 1994. “Ela quis ir junto com Lula nas viagens, que eram muito complicadas e desconfortáveis.
Acho que nunca tivemos uma primeira-dama que conhecesse tão de perto a realidade brasileira”, observou a assistente social Inês Maria
Boffi, amiga de Marisa e mulher do prefeito de Diadema, José de Felippi. Marisa começou a trabalhar com apenas nove anos. Foi babá de três filhas de um dentista de São Bernardo. Aos 13 anos, tornou-se embaladora de bombons da fábrica Dulcora. Oito anos depois, saiu
do emprego para casar com Marcos, um motorista de caminhão e
de táxi que acabou sendo assassinado durante um assalto, quando
Marisa estava grávida de quatro meses.
Em 1974, casou-se com Lula e logo tornou-se uma testemunha privilegiada de alguns dos momentos mais importantes da nossa história. Apenas um ano depois do casamento, Lula já era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, ponto de partida para sua atuação como líder das greves operárias. Marisa fez de sua casa uma sucursal do sindicato. “Em 1980, tomaram o sindicato da gente com a intervenção. Não tínhamos para onde ir. Desocupei a sala da frente e disse: pronto, aqui é o sindicato. E a secretária era eu. Vinham políticos, almoçavam, alguns dormiam lá em casa”, lembra ela.
Organizou, em 1980, uma passeata de mulheres de metalúrgicos presos, entre eles o próprio Lula. Os homens pediram para participar da passeata, na avenida Marechal Deodoro, em São Bernardo, mas as companheiras foram irredutíveis: a avenida era delas. Eles teriam que caminhar nas calçadas. “Botei as crianças na rua, meus filhos no meio daquela multidão, polícia para tudo quanto é lado”, recorda. Na época, Marisa era mãe de Marcos, Fábio e Sandro. O caçula, Luiz Cláudio, hoje com 17 anos, ainda não havia nascido. Hoje, com os filhos criados e avó de dois meninos, Marisa será mais do que nunca uma protagonista da história. Ainda não está definido o que a futura primeira-dama fará. Mas Marisa não deverá dar continuidade à tradição de atuar na assistência social. O tema que mais a preocupa é a violência que atinge principalmente os jovens. “Se essa juventude tiver chance de uma boa educação e trabalho, o País muda”, diz. A partir de janeiro, entra em cena a primeira companheira.