12/03/2003 - 10:00
O Carnaval de 2003 no Rio de Janeiro não será lembrado só pela beleza dos desfiles do sambódromo, mas também pela evolução dos tanques e blindados do Exército nas avenidas da cidade. Vista por boa parte da população e pelo próprio governo do Estado como solução emergencial contra a criminalidade, a ajuda das Forças Armadas foi pedida ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela governadora Rosinha Garotinho diante da onda de terrorismo iniciada pelos traficantes no dia 24 de fevereiro. Como nas outras duas vezes em que os militares fizeram ações semelhantes – na Rio 92 e nas eleições do ano passado –, o assunto passou a dominar as discussões. De um lado, as estatísticas mostram que, mesmo com a presença do Exército, os crimes violentos aumentaram em relação ao ano passado. Além disso, a morte do professor de inglês Frederico Branco de Faria ao furar uma blitz de soldados reforça o argumento de que patrulhamento urbano não é uma especialidade verde-oliva. O ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, minimizou o episódio: “Poderia ter ocorrido em qualquer barreira policial.” Ele foi o maior defensor da permanência dos militares no Rio, contra a opinião dos ministros da Defesa e da Justiça. “Acho que a população aprova, o País também”, avalia Dirceu.
O secretário de Segurança do Rio, Josias Quintal, fez um balanço positivo da atuação das Forças Armadas, com um parâmetro subjetivo: “A sensação de segurança da população aumentou nesse Carnaval.” A impressão do secretário colide com as estatísticas. Nos quatro dias de folia, o número de homicídios subiu 17% em relação ao ano passado, saltando de 77 casos para 90. As tentativas de homicídio dobraram e a incidência de roubos a estabelecimentos comerciais subiu quase 41%. O general da reserva Carlos Eduardo Jansen, coordenador de planejamento e execução da Rio 92 – a maior experiência com o Exército na segurança da cidade –, é outro que vê com reservas o uso indiscriminado dos militares. “A governadora não quer assumir o desgaste político de admitir que não tem como manter a lei e a ordem, mas quer as benesses do Exército nas ruas. Não se pode ter as duas coisas”, diz o general Jansen.
O oficial destaca que, em caso de conflito com morte, as forças federais não têm o amparo da lei, já que sua atuação só está prevista ao ser decretado o Estado de Defesa, com a anuência do Conselho de Defesa Nacional. “Se um policial militar, num conflito, mata um bandido, ele elabora um auto de resistência e se exime de qualquer ação legal. Já o Exército não pode arguir essa situação. É assassinato mesmo”, explica. Foi o que aconteceu na madrugada de terça-feira 4, quando o professor de inglês Frederico Faria, de 51 anos, foi morto com dois tiros por soldados de uma brigada de pára-quedistas ao furar uma blitz na zona norte. O coronel Ivan Cosme Pinheiro, chefe da Comunicação Social do Comando Militar do Leste, procurou justificar a atuação dos soldados: “Não podemos esquecer nunca que o treinamento principal do Exército não é feito para ser polícia. Mas, dentro das nossas expectativas, atingimos nossos objetivos nessa operação.”
A principal tarefa do Exército foi coibir demonstrações ostensivas de força por parte dos traficantes, como as que aconteceram na semana anterior ao Carnaval, quando bandidos incendiaram mais de 50 ônibus. Essa meta foi alcançada. Na verdade, o aumento no número de homicídios e roubos ao comércio serve como termômetro da inoperância da polícia do Rio, cujo trabalho deixou a desejar, mesmo com a ajuda federal. É por isso que os governos estadual e federal planejam uma missão especial para atacar a criminalidade no Rio, nos mesmos moldes
da que funciona no Espírito Santo. Seria a reunião das polícias Militar
e Civil, Federal e Rodoviária, além do Ministério Público. “A idéia de
força-tarefa ou missão especial é a de uma seleção brasileira, com
os melhores de cada área atuando por um mesmo objetivo”, define o superintendente da PF no Rio, Marcelo Itagiba. Enquanto a iniciativa
não sai do papel, a polícia fluminense segue a orientação do secretário Quintal, que decretou “guerra sem limites” ao tráfico: “Quem tiver
que morrer que morra.” Em confrontos nas favelas, pelo menos 15 pessoas morreram nos últimos dias.