21/11/2002 - 10:00
Entre os fãs de Gilberto Gil, nem é preciso apontar os mais radicais, quase todos devem ter ouvido e dançado em seus shows duas das canções mais tocadas pelo cantor e compositor baiano. Elas são os reggaes com sabor de açaí Nos barracos da cidade (barracos) – o do refrão “Ô-ô-ô,ô-ô/gente estúpida/Ô-ô-ô,ô-ô/gente hipócrita” – e Oração pela liberdade da África do Sul, o dos versos: “Se o rei Zulu já não pode andar nu/salve a batina do bispo Tutu.” Pois os dois clássicos estão no repertório do pouco conhecido disco Dia Dorim noite neon, de 1985. O próprio Gil reconhece que o então LP não teve vida longa por ser algo de transição, gerado paralelamente ao evento 20 anos luz, que comemorou suas duas décadas de carreira. Injustiça das circunstâncias, porque o álbum ainda traz outras preciosidades, não tão celebradas, mas de igual qualidade, entre elas Roque Santeiro, o rock, energética homenagem ao ritmo que tomava conta do País, trazendo na guitarra o ex-mutante Sérgio Dias. Agora, a lacuna pode ser preenchida. E não só esta como várias outras, já que acaba de chegar às lojas a caixa Palco trazendo 28 CDs que cobrem 25 anos do artista na gravadora Warner Music.
Apesar do salgado preço de R$ 700, o que só a disponibiliza para poucos, a caixa é um documento de importância histórica para a música popular brasileira. Além de comemorar os 60 anos de vida de Gil, completados em 26 de junho passado. Com organização do pesquisador Marcelo Fróes, também responsável pela direção de produção, Palco é um deleite musical e de informação. Mais uma vez Fróes realizou um primoroso trabalho de recuperação da obra de Gil – o primeiro, lançado em 1998, privilegiou sua carreira na PolyGram, de 1966 a 1977. A partir de depoimentos exclusivos de Gil e após sete anos de intensa pesquisa, Fróes levantou detalhes, peculiaridades, histórias, num verdadeiro trabalho de ourives. Não lhe escaparam datas, grafias e muito menos os registros musicais. Do melancólico-zen Refazenda (1975), junto a Refavela (1977) – estes dois trazidos para a Warner por acordo com a PolyGram –, ao reggae sacolejante de Kaya n’gan daya (2002), todos foram devidamente catalogados. Boa parte contém faixas bônus. Sobrou apenas a frustração acumulada, desde o projeto para a PolyGram, de não ter conseguido localizar os masters do já lendário disco inglês, que Gil começou a gravar em 1971, mas abandonou devido à ansiedade de retornar ao Brasil, depois de cumprir dois anos de exílio voluntário em Londres.
Ao todo, são quatro os CDs inéditos. Dois deles, To be alive is good (anos 80) e It’s good to be alive (anos 90), trazem gravações em estúdio, ao vivo e versões que ficaram de fora de outros discos. Algumas servem só como arquivo, mas muitas trazem à tona novas leituras e novidades. Para cada uma das 34 faixas que compõem os dois álbuns, Fróes conta a origem delas. TV punk, de 1982, por exemplo, nunca poderia ter ficado de fora de qualquer repertório. Não à toa, o pop-rock tornou-se uma das preferidas do grupo Titãs. Outros dois inéditos são Z (1995), trilha sonora original composta para o Balé da Cidade de São Paulo, e Gilberto Gil, Salvador (1962-1963), com suas primeiras gravações. Inéditos no formato CD são Nightingale, de 1979, antes lançado apenas no mercado internacional, e Quilombo (1984), trilha sonora do filme homônimo de Carlos Diegues, agora em versão completa. É tarefa sem fim, mas com muito prazer.