21/11/2002 - 10:00
Quantos pais, neste momento, não se perguntam o que eles podem fazer para não criar uma Suzane von Richthofen em casa? Quantos não olham para seus filhos, ressabiados, um pouco duvidosos se os conhecem o suficiente para não ser surpreendidos com alguma atitude, senão tão absurda, inesperada? Com o perdão do lugar-comum, criar filhos não é uma tarefa fácil. Dizer sim é difícil. Dizer não, mais ainda. Na sociedade de hoje, na qual os vínculos familiares estão cada vez mais diluídos, pais e mães se debatem em questões que até há alguns anos não eram sequer levantadas. Como dar limites? O que se deve proibir? Como passar valores? Depois deste crime, questionamentos como esses se tornam ainda mais latentes. Inúmeros especialistas despendem anos em debates e estudos em busca dessas respostas.
Para alguns, pessoas como Suzane sofrem de um distúrbio chamado transtorno de personalidade anti-social. São aquelas que não têm afetividade, piedade ou solidariedade ao próximo. Em geral, não respeitam regras, têm baixa tolerância à frustração e à agressividade – são os chamados pavios-curtos. “Infelizmente, ninguém sabe a causa deste distúrbio”, diz Sérgio Paulo Rigonatti, coordenador do núcleo de estudos em psiquiatria forense do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. “Pode haver uma causa genética, mas há outras questões relacionadas ao transtorno. Muitas vezes, o ambiente influencia”, explica o médico. Uma educação muito rígida, por exemplo, seria uma das razões para desencadear crises de agressividade – já que o problema pode se manifestar apenas quando acontece algo que tire a pessoa do sério.
Independentemente de patologias, é importante lembrar que a educação de uma criança e de um jovem vai além das muralhas familiares. A psicóloga carioca Tânia Zagury, autora de dez livros sobre o assunto, lembra que os pais são o espelho social dos filhos. Mas não são só eles que criam monstrinhos. “A sociedade também ajuda a formá-los. Vivemos num mundo em que os jovens não têm ideais. Projetos individuais são sempre mais valorizados do que ambições sociais. Isso, somado a um eventual distúrbio psíquico, é uma mistura explosiva”, diz ela. O psicólogo Antônio de Pádua Serafim, do Hospital das Clínicas de São Paulo, concorda. “A tendência é de que o transtorno de personalidade seja cada vez mais frequente. Estamos vivendo numa sociedade que se preocupa com o ter e não com o ser. Os pais querem pôr os filhos nas melhores escolas, sem se preocupar se eles estão realmente felizes. Isso pode ser até uma maneira de
saciar a vaidade deles”, alfineta Serafim.
De fato, é comum ouvir pais e mães preocupados com as notas dos filhos, com seu desempenho no inglês, com a escola que ficou em primeiro lugar no ranking das revistas. Claro que está embutida aí uma ansiedade em relação ao mercado de trabalho, cada vez mais disputado. Mas será que eles perguntam aos filhos se é isso que eles querem, observam se estão felizes, se o relacionamento com os colegas é saudável? Para o psicólogo Yves de la Taille, do Núcleo do Desenvolvimento da Personalidade da Universidade de São Paulo, determinados valores estão definitivamente sendo passados para trás. Para ele, o que se vive hoje é uma crise moral. O crime cometido por Suzane, seu namorado, Daniel Cravinhos, e o irmão dele, Cristian, choca porque fere os valores morais. Ou seja, o respeito à vida, ao outro. “Hoje, cada vez mais o que se vê é um desleixo em relação a isso. Não se valorizam mais sentimentos como solidariedade, humildade, sentido de justiça. O que se preza é a lei do mais forte. Aplaude-se o mais esperto. Quem é solidário, humilde, muitas vezes é tachado de frouxo, seja em casa, seja na escola”, diz o psicólogo. “Os monstros são criados porque não existe uma pedagogia para criar boas pessoas. Temos de ser o melhor, custe o que custar.”
E isso, diz o especialista, é em todos os níveis. O garoto observa que o time de futebol ganhou depois que o jogador cavou um pênalti ou encenou uma falta. Meninos e meninas estão atentos a detalhes como o simples fato de passar um
sinal vermelho, andar pelo acostamento para chegar na frente de todo mundo.
Ou desprezar pessoas de outras classes sociais. “De nada adianta os pais darem limites, como assistir à tevê só em determinadas horas e não comer chocolate antes do almoço, se eles burlam esses valores morais. Muita gente nem sequer olha para a empregada doméstica dentro de casa – e estimula o filho a fazer o mesmo. A criança tem uma tendência natural a tratar as pessoas como iguais. Os pais têm de incentivar isso e não reprimir”, aconselha Yves de la Taille. A psicóloga Ana Olmos concorda. “Mais importante que a regra é a atitude subjacente a ela. Você pode até respeitar o sinal vermelho, mas de nada adianta sair brigando no trânsito logo em seguida”, diz.
É importante saber que esses valores morais, assim como limites, regras e disciplina, começam a ser assimilados desde o berço. Para o jornalista e escritor Luis Lobo, mineiro radicado no Rio de Janeiro, com dez livros publicados sobre relacionamento entre pais e filhos, a educação é sedimentada na infância. O adolescente, em geral, é mais influenciado pelo grupo. “Se os pais não põem o grupo dentro de casa para conhecê-lo melhor, terão uma influência ainda menor sobre o jovem. A não ser que tenham conseguido introjetar bem os valores em seus filhos”, afirma ele.
Mas como fazer isso? “Diálogo é muito importante. Não há como pôr algo na cabeça de um adolescente sem debate”, ensina Luis Lobo. A conversa entre pais e filhos, entretanto, também começa na infância. Hoje, com as mães e os pais trabalhando fora, são poucos os momentos dedicados aos filhos. No entanto, os pais devem procurar estar inteiros, nem que seja por poucas horas. “É preciso trazer alegria para casa. Não dá para chegar todo dia do trabalho, cansado, e passar para a criança que trabalhar é um fardo, que a vida é um peso. Isso pode dar a idéia de que não é bom crescer. Por isso muitas vezes alguns jovens insistem em permanecer crianças ou adolescentes”, lembra a psicóloga paulista Myriam Bove Fernandes.
“Por meio de brincadeiras e conversas, os pais conseguem impor limites e, principalmente, ensinar o filho a lidar com isso”, completa ela. Agora, os pequenos só vão cumprir os limites se fizerem sentido para eles – daí a importância do diálogo. Outro fator é valorizar o que a criança tem de bom – sem exageros – e não desmerecê-la. “Por exemplo, se ela deixou cair um copo não se deve falar: ai, que desastrada. Mas, sim, foi um acidente, ajude a mamãe a limpar aqui.” Como se vê, educar um filho é muito mais do que dar de comer e pôr numa boa escola. É amar, dividir, dar exemplo. Crimes como este do Brooklin obrigam a sociedade a parar para refletir e, quem sabe, dar um freio nesta corrida sem sentido para o ter. E ensinar às nossas
crianças que o importante é ser.
Anos mágicos |
Os seis primeiros anos de vida da criança são chamados de “anos mágicos” porque são os mais importantes para a sua educação
e construção do seu caráter. É nesse período que se forma a estrutura da personalidade e a base da afetividade. A criança
não é egoísta, é egocêntrica e acredita que a mãe, o pai, as
pessoas, o mundo, tudo é uma extensão dela e vive em sua
função. O relacionamento com os pais pode determinar, para
o resto da vida, a interpretação de futuras experiências.
• No primeiro ano, a principal tarefa da educação é transmitir confiança. Se a criança for amada e protegida e se suas
necessidades básicas forem satisfeitas, ela aprenderá a confiar
e estará bem educada.
• No segundo ano, além de proteção e amor, a criança precisa de liberdade e espaço para experimentar. engatinhar, ficar de pé, cair e levantar. Ela precisa perceber que os pais confiam nela.
• Depois de aprender a andar e a falar, a criança ainda precisa
de amor, atenção, liberdade e apoio, mas é hora de enfatizar a autonomia e de dar limites. Os limites vão determinar o caráter da criança, por isso têm que valer sempre e ser coerentes (pai e mãe devem estar de acordo). Além disso, devem ser justos, claros e possíveis (de acordo com o desenvolvimento da criança).