01/05/2002 - 10:00
A enfermeira sanitarista Teresa Cristina Vieira Segatto, capixaba de 43 anos, acaba de fazer uma incursão pelas entranhas da selva amazônica. Viajou de Brasília para a floresta com uma missão nobre e árdua: barrar o risco de contágio de sarampo nas proximidades com a Colômbia, país onde a doença ainda preocupa as autoridades, com pelo menos dez casos já confirmados este ano. Teresa integrante da equipe do Plano Nacional de Erradicação do Sarampo, uma das maiores causas de mortalidade infantil no mundo. Lançado em 1999 pelo Ministério da Saúde, o plano ostenta até agora resultados muito animadores para um país que amarga altas incidências de males como a dengue e a malária: nenhum caso de sarampo foi registrado no Brasil no ano passado. Há 20 anos, o quadro era bem diferente. Em 1982, houve a ocorrência
de 39.370 casos e 1.670 óbitos, a maioria de crianças menores de
cinco anos. Em 1997, outro surto vitimou 53.664 pessoas e terminou
com 61 mortos.
Teresa, que trabalha há três anos no Centro Nacional de Epidemiologia da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), situado em Brasília, é uma espécie de Indiana Jones de saias. Seu trabalho ilustra bem o esforço que está sendo feito pela equipe do plano, integrada por 33 técnicos, para manter o sarampo longe do País. Em novembro de 2001, por exemplo, ela embarcou para Roraima e mobilizou autoridades e agentes sanitários para conter o risco de contágio a partir da ocorrência da enfermidade na Venezuela, onde só neste ano 1.098 casos da doença foram confirmados. No final de março, foi a vez de partir para Tabatinga, no Amazonas, na fronteira do Brasil com a Colômbia e o Peru, para verificar a situação naquela região. De lá, desceu o rio Solimões por uma hora e meia até alcançar Atalaia do Norte, também no Amazonas. Viajou mais uma hora de barco até Benjamin Constant, no mesmo Estado, e voltou a Tabatinga. “Atravessei parte da Floresta Amazônica e fiquei encantada”, conta. Durante a viagem, supervisionou as secretarias de Saúde locais e capacitou técnicos de vigilância epidemiológica para combater a doença, inclusive vacinando crianças.
Mas o cerco à enfermidade também se dá dentro dos laboratórios. Nessa esfera de ataque, está a farmacêutica Marilda Mendonça Siqueira, paranaense de 45 anos com doutorado em virologia, coordenadora do laboratório de referência nacional para sarampo da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. Nele, desde 1996 é estudado o genoma (material genético) do vírus causador da doença. O agente é monotípico, ou seja, não apresenta variações. Isso significa que a vacina desenvolvida contra ele serve para todos. “Mas existem variações no genoma que servem para identificar o local de onde vem o vírus”, esclarece Marilda. Graças a essa característica, foi possível descobrir que o único caso de sarampo confirmado no ano passado no Brasil vinha do Exterior – e de um país rico.
Busca – A história de como os pesquisadores descobriram esse fato é outro exemplo da mobilização para não deixar a doença se espalhar pelo País. Em 16 de junho de 2001, um bebê japonês de oito meses desembarcou com os pais em São Paulo apresentando sintomas de uma forte gripe. A família saíra de Tóquio, no Japão, e fizera escala em Los Angeles, nos Estados Unidos. Ao chegar no Brasil, o bebê foi atendido no posto médico do Aeroporto Internacional de Garulhos. Como no dia seguinte a criança amanheceu com o corpo coberto de manchas vermelhas, a mãe a levou a um pediatra. Diante de uma suspeita de sarampo, o médico encaminhou o bebê a um posto de saúde público, que colheu o sangue da criança e providenciou a imediata vacinação dos pais. Assim que foi confirmada a doença, o caso foi notificado à Funasa, que procurou a Varig. Os passageiros do vôo foram orientados a se vacinar e passaram 21 dias sob monitoração. As embaixadas dos países de origem desses passageiros também foram avisadas. Esse conjunto de providências garantiu mais uma vez o cerco ao sarampo no Brasil. Em março, também chegou a São Paulo outra criança, de dois anos, vinda do Japão, vítima da doença. As mesmas medidas adotadas em relação ao bebê foram tomadas e asseguraram, mais uma vez, que a doença não se espalhasse.
Na verdade, uma das tarefas mais minuciosas do combate à doença é exatamente a investigação dos casos suspeitos no País. Desde 1969, as suspeitas são informadas ao Ministério da Saúde. No ano passado, elas chegaram a 5.609. Todas as pessoas ao redor do paciente que apresenta os possíveis sintomas são investigadas no ambiente familiar, escolar e profissional, além de serem vacinadas pelos agentes locais de saúde, caso não apresentem comprovante de que já foram vacinadas (uma única dose garante a imunização para o resto da vida). A colaboração costuma ser geral. A maior dificuldade é convencer as mães a autorizar exames de sangue em bebês, única forma de detectar o vírus no organismo. Por enquanto, embora não haja registro de casos surgidos aqui desde 2001, não é possível dizer que a doença está erradicada no Brasil. Isso só ocorrerá se até 2005 aparecerem apenas casos importados. E, infelizmente, a doença não está erradicada em nenhum país do mundo.