Quando pagou R$ 7 bilhões pelo Banespa, em novembro de 2000, o executivo colombiano Gabriel Jaramillo, destacado para comandar o avanço do Banco Santander no Brasil, foi muito criticado pelo tamanho da oferta. O lance ficou quase R$ 5 bilhões acima do oferecido pelo segundo colocado, o Unibanco. Hoje, Jaramillo ri por último e avalia que o negócio saiu barato. “Estávamos certos”, diz. O banco tem massa crítica para competir no Brasil e já contribui com 15% dos resultados globais do Grupo Santander. Acaba de unificar os sistemas e as operações das seis instituições que o formaram (Santander, Banespa, Geral do Comércio, Noroeste, Meridional e Bozano, Simonsen) e adotará, agora, uma única marca: Santander Banespa.

Aos 56 anos, Jaramillo tem planos de longo prazo por aqui. Naturalizou-se brasileiro e prepara-se para votar nas próximas eleições. O Brasil, defende, deveria olhar para outros parceiros comerciais mais importantes e fazer acordos de livre comércio com os Estados Unidos e a União Européia. O comentário vem em razão da nova crise Brasil/Bolívia. “Um país como o Brasil não tem que se comparar com a América Latina.” Para crescer após a queda dos juros, os bancos privados terão de conquistar mais clientes de baixa renda. E, se o governo permitir, farão operações típicas dos bancos públicos – donos de quase metade dos ativos bancários no País. “Não há razões para manter esta alta participação do setor público no setor financeiro”, afirma, na seguinte entrevista a ISTOÉ.

ISTOÉ – O Santander é o maior investidor em bancos da América Latina. Como o sr. vê a crise com a Bolívia?
Gabriel Jaramillo

Os contratos devem ser respeitados. No mundo de hoje,
isso é fundamental para fazer parte da comunidade internacional e receber investimentos estrangeiros. Os países que forem na direção contrária ficarão numa situação muito difícil.

ISTOÉ – A América Latina está ficando um lugar arriscado para investir?
Gabriel Jaramillo

Não existe um destino de investimentos chamado América Latina.
O que temos são diferentes países. No Brasil, felizmente, temos uma situação
muito positiva em termos econômicos, seriedade e respeito aos contratos. Os investimentos estão acontecendo.

ISTOÉ – O Brasil tem crescido muito menos que China e Índia. Perdemos esse bonde?
Gabriel Jaramillo

É indiscutível que estamos em um momento único e muito bom
na economia mundial. As economias que entraram nesse ciclo em melhores condições estão aproveitando mais. Nosso nível de crescimento é positivo. Eu gostaria que fosse maior, mas o fato é que temos um ritmo de crescimento. É admirável a disciplina e o rigor com que assumimos a responsabilidade para fazer os ajustes nos aspectos fundamentais da economia, para assegurar não só um crescimento maior, mas um crescimento que perdure. Poderíamos estar crescendo aos níveis da Índia neste momento, mas não podemos esquecer que o PIB da Índia é menor que o do Brasil.

ISTOÉ – Como brasileiro recém-naturalizado, o que o sr. gostaria de ver neste país nos próximos cinco anos?
Gabriel Jaramillo

Gostaria que nós mudássemos nossa meta, nossa base de comparação. Ouço muito que somos o maior país da América Latina nisso e naquilo. Mas esta é uma referência errada. Um país como o Brasil não tem que se comparar com a América Latina, tem que pensar no mundo. É melhor a classe empresarial confrontar essa realidade e ter como meta estar entre os dez primeiros do mundo
em suas áreas de atividade.

ISTOÉ – Como o Brasil pode conquistar espaço no mundo se na América Latina sua liderança está ameaçada?
Gabriel Jaramillo

O Brasil já demonstrou uma grande capacidade e sabedoria para manter boas relações com seus vizinhos. Tem que seguir praticando isso. Mais importante é ter grandes ambições. Nós temos que fazer alianças e tratados comerciais com os grandes mercados. Não teremos futuro se não fizermos isso. O Brasil tem de ter um acordo de livre comércio com os Estados Unidos, com a União Européia. É um erro não ter tratados com os dois principais mercados do mundo.

ISTOÉ – O Brasil não fez isso no governo FHC, nem no governo Lula. Conseguiria avançar nesse ponto se o vitorioso fosse Geraldo Alckmin?
Gabriel Jaramillo

Acho que sim. É um tema tão fundamental que deve transcender os governos. A meta é fazer, dar um mandato claro para isso. O próximo governo vai ter uma situação muito positiva, produto da boa gestão dos últimos anos. Vai poder colher esses ganhos. Estamos no bom caminho para ter taxas de juros muito mais baixas, que vão permitir materializar oportunidades no setor imobiliário, na economia interna, na competitividade externa. O Brasil demonstrou continuidade em alguns aspectos fundamentais, como a gestão econômica e fiscal. O próximo governo tem pouco espaço para sair desse caminho. A sociedade está vigilante no controle da inflação e cobra a boa gestão nos níveis municipal, estadual e federal. Há pouco espaço para aumentar impostos e os investimentos em saúde, educação e infra-estrutura são fundamentais. A arrecadação do governo é muito alta; a questão é como são usados os recursos. Por isso, a boa gestão fiscal é uma responsabilidade do próximo governo.

ISTOÉ – A corrupção no governo afeta a imagem do Brasil lá fora?
Gabriel Jaramillo

Afeta. Ao mesmo tempo, dá uma perspectiva de que as coisas estão sendo mais transparentes.

ISTOÉ – O Brasil não está perdendo uma grande oportunidade de dar um passo muito maior na área da educação?
Gabriel Jaramillo

 Para o Brasil ocupar o espaço que
tem no mundo já não é suficiente fazer. É preciso
fazer bem. Não adianta mais ter estatísticas como o índice de 95% das crianças na escola. A competitividade está em fazer isso bem. Este vai ser o grande desafio. Nossos concorrentes estão trabalhando nisso. A legislação trabalhista, por exemplo, precisa ser reformulada. Muitas pessoas poderiam trabalhar em casa e agregar grande valor ao fluxo econômico se a legislação trabalhista fosse diferente. A flexibilidade de horário é fundamental.

ISTOÉ – Quase metade dos ativos bancários no Brasil está na mão de instituições públicas, como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Qual é o efeito disso na competição?
Gabriel Jaramillo

Acho que isso é ruim. Os governos ainda têm muito o que fazer para acertar algumas coisas fundamentais. Todos os esforços devem estar em questões como saúde, educação. Não se justifica, no mundo de hoje, haver governos dedicados a uma atividade que o setor privado faz e, no longo prazo, fará melhor. Não há razões para manter essa alta participação pública no setor financeiro. Isso mudará com o tempo.

ISTOÉ – Sem a presença dos bancos públicos, não seria pior para as regiões consideradas não-lucrativas?
Gabriel Jaramillo

Falava-se a mesma coisa na indústria das telecomunicações. Hoje temos níveis de penetração na telefonia celular nunca sonhados. Somos o único banco em 85 municípios paulistas. Não é o Banco do Brasil, nem a Caixa. Somos nós. Poderia fechar essas agências, mas não fecho. Temos que estar presentes, pois os pequenos municípios serão grandes um dia. Esta não é uma razão para o setor público ter uma participação de quase 50% no mercado.

ISTOÉ – O que poderia ser feito para reduzir essa participação?
Gabriel Jaramillo

As condições de concorrência entre os bancos públicos e os privados deveriam ser iguais. E as exigências de produtividade e eficiência, também. Hoje, isso não acontece. As movimentações de dinheiro público são feitas em sua
maior parte pelos bancos públicos, o que limita a atuação do setor privado. A arrecadação de impostos, que chega a 40% do PIB, movimenta-se nos bancos públicos, e não nos privados.

ISTOÉ – Isso não é uma questão de negociação? O Itaú conseguiu a conta da Prefeitura de São Paulo.
Gabriel Jaramillo

Grande parte dos fluxos de dinheiro do setor público só passa pelos bancos estatais. Os bancos privados poderiam, por exemplo, distribuir recursos de programas sociais do governo. Poderiam concorrer e ser contratados, pois fazem isso melhor. No Estado de São Paulo, temos uma participação altíssima no financiamento agrícola. Dobramos a participação do Banespa e hoje temos 33% do mercado paulista, mais que o Banco do Brasil. É uma demonstração de que um banco privado, quando quer participar de uma atividade, deveria poder concorrer em iguais condições com os estatais. Muitas crenças foram derrubadas quando compramos o Banespa. Não fechamos muitas agências, não diminuímos nossa participação nas comunidades.

ISTOÉ – O Santander é um banco para rico?
Gabriel Jaramillo

Somos um banco de varejo com sete milhões de clientes. Não somos elitistas. Conservamos o posicionamento do Banespa. Trabalhamos todos os dias para melhorar o nível de “bancarização” da população. Grande parte do crescimento futuro virá da incorporação da informalidade ao sistema bancário, da institucionalização do setor para receber novos participantes. É importantíssimo para o desenvolvimento do País que as pessoas possam participar do sistema financeiro, não precisem recorrer a um sistema paralelo. Por isso atuamos em crédito consignado, com desconto em folha.

ISTOÉ – Na economia informal, nem sempre isso é possível. Um camelô, por exemplo, poderia abrir uma conta no Santander Banespa?
Gabriel Jaramillo

Sim, estamos dando grandes passos nessa direção. Temos a marca Olé para levar serviços a um público mais amplo. Não só o crediário, mas também seguro de vida e poupança.

ISTOÉ – O crédito consignado não é um negócio bom demais para o banco e ruim para o cliente?
Gabriel Jaramillo

Em absoluto. A concorrência é muito grande e faz com que seja um bom negócio para as pessoas. Antes, as taxas de juros eram estratosféricas. Hoje, para empréstimos de três ou quatro anos, há taxas de 1% ao mês. É preço de Nova York. Há espaço para crescer, para ter programas do governo que aumentem a bancarização nessas áreas. Estão acontecendo coisas muito boas e esta será a fonte
de crescimento para todos os bancos.

ISTOÉ – O Santander pagou R$ 7 bilhões pelo Banespa. Olhando em retrospectiva, foi um bom negócio?
Gabriel Jaramillo

Se não tivéssemos comprado o Banespa naquele momento, hoje não faríamos parte da paisagem do setor financeiro no Brasil. Estávamos certos do ponto de vista de negócio. A questão do preço é relativa. Naquele dia, poderíamos ter pago menos. Mas os retornos que tivemos desde o primeiro ano demonstraram que o preço estava bom. Em termos relativos, hoje digo que foi barato.

ISTOÉ – O Banco Central precisa ser independente ou a autonomia já basta?
Gabriel Jaramillo

O Banco Central tem um papel importante e que não deve ser politizado. Formalizar a autonomia existente com a independência é importante para o Brasil ser considerado um destino seguro para os investimentos e receber uma classificação de grau de investimento pelas agências de avaliação de riscos.