01/05/2002 - 12:00
Dinheiro e diabo caminham de mãos dadas. Se você tem alguma dúvida, o livro A selva do dinheiro – histórias clássicas do inferno econômico (Record, 350 págs., R$ 35) vai destruí-la para sempre. São 17 histórias, todas extraordinárias, selecionadas por Roberto Muggiati da obra de alguns dos maiores nomes da literatura. Algumas trágicas, como a do faquir de Um artista da fome, uma das últimas obras do tcheco Franz Kafka, que mostra a ascensão e queda de um pobre coitado que faz da fome o seu espetáculo de vida e acaba numa jaula de circo atrapalhando o tráfego para as jaulas dos animais. Outras são desoladoras. O escritor americano Jack London, por exemplo, conta em Um pedaço de bife, escrito em 1908, a história de Tom King, um boxeador decadente de 40 anos que enfrenta o desafio de lutar contra um jovem de músculos elásticos porque estava louco para comer um bife e não tinha um tostão. Com fome e sem nenhum preparo, ele quase ganha a luta, uma impossibilidade que só o bife poderia fazê-lo superar. Não conseguiu. Saiu do ringue como um grisalho saco de pancadas.
O caso do jovem casal Della e Jim em O presente dos Reis Magos, do americano O. Henry, é desgraçadamente triste. Véspera de Natal, Della tem apenas um dólar e oitenta centavos. Ela queria comprar para o companheiro uma corrente para seu relógio de bolso. Jim também não tinha nada, mas queria dar de presente um estojo de pentes que Della tanto cobiçava. Então, os dois decidem sacrificar seus maiores tesouros: ela vende os cabelos por US$ 20 à madame Sofronie e compra a correntinha do relógio que Jim vende para comprar os pentes, que deslizariam pelos cabelos castanhos entregues à Madame Sofronie. É
um fim de história melancólico, assim como é também melancólico –
mas muito divertido – O mandarim, de Eça de Queiroz, sobre o pobre escrevente Teodoro, que, por arte de algum demônio, herda a fortuna de um mandarim chinês. Sua vida, passado o prazer inicial da opulência, vira um inferno. Um inferno que igualmente permeia as histórias escritas por Edgar Allan Poe, Guy de Maupassant, Dostoievski, Scott Fitzgerald,
James Joyce, Tolstói …
Inferno quando o dinheiro sobra – Teodoro viveu com a pompa de sultão perdulário, mas, vítima de uma espécie de tortura chinesa interior,
não conseguiu se livrar do dorso curvado dos pobres. Inferno quando
o dinheiro falta – o que levou o garoto Paul, da história O vencedor do cavalinho de balanço, de D.H. Lawrence, a cavalgar furiosamente até
a morte, tamanha a alucinação de sua família de classe média diante da falta de dinheiro. Em resumo, o livro fala direta ou indiretamente sobre o ter ou não ter dinheiro. Mas tranquilize-se: a palavra economia no sentido acadêmico e todos os seus desdobramentos ardilosos e quase sempre incompreensíveis não aparecem em uma única linha. É literatura de alta linhagem, antologia feita com histórias patéticas e dramáticas de amor
e ódio nas quais o dinheiro é sempre o vilão. Pelo excesso ou pela
falta dele.