01/05/2002 - 10:00
Para muitos, é um tesouro incalculável. Para seu criador e guardião, uma manifestação de loucura mansa. É assim que o empresário paulistano José Mindlin se refere ao seu amor pelos livros, que deu origem à sua famosa biblioteca,
hoje composta de 28 mil itens, nos quais predominam documentos raros e originais e primeiras edições. Parte deste universo pode agora ser vislumbrado e saboreado no vídeo Biblioteca Mindlin – um mundo em páginas, realizado pela documentarista paulistana Cristina Fonseca, a ser exibido pelo canal pago Rede SescSenac de Televisão (STV) neste sábado 27 e pela TV Cultura no dia 25 de maio, sempre às 21h. Inspirada no célebre Toute la mémoire du monde, documentário de Alain Resnais, de 1956, Cristina desejava contar a história do livro – do papiro ao e-book. No entanto, parafraseando Drummond, o empresário, sua mulher, Guita, e a biblioteca que criaram acabaram surgindo não como uma pedra no meio do caminho, mas como o próprio caminho. Durante dois anos, Cristina reuniu 36 horas de imagens e depoimentos
de intelectuais como Antonio Candido, Arlindo Machado e Boris Schnaiderman, o poeta Haroldo de Campos e o escritor José Saramago. Também filmou os diretores Nelson Pereira dos Santos e Jean-Claude Carrière falando das ligações entre livro e cinema, o crítico Sábato Magaldi discorrendo sobre livro e teatro e as artistas plásticas Maria Bonomi e Renina Katz relacionando livro e arte. Em momentos mágicos, ainda ouviu a cantora Maria Bethânia declamando, em participação expressiva, poemas de João Cabral de Melo Neto. “Comparo a emoção
de entrar na Biblioteca de Mindlin com a primeira vez que vi um Van Gogh”, confessa ela.
O trabalho de 54 minutos é dividido em três blocos: O que vem do mar, com foco sobre as obras raras, incunábulos (primeiros exemplares logo após a invenção da imprensa por Gutenberg), livros de viajantes sobre o Brasil e literatura portuguesa; O que vem das florestas, rios e cidades, centralizando o modernismo brasileiro, as vanguardas e a brasiliana de Mindlin, considerada a mais completa do País; e O que vem do sertão, no qual discute tudo o que é árido, do concretismo ao livro eletrônico. É um resultado que surpreende, encanta e motiva. Afinal, aquela que é considerada a maior biblioteca particular da América Latina e um dos mais importantes acervos particulares do mundo transforma-se em imensa metáfora da ânsia do saber. Logo no início do vídeo, Mindlin – que numa sessão para convidados, realizada na semana passada, usava uma gravata-livro – surge sorridente na tela dizendo: “Entrei pela primeira vez numa livraria aos oito anos, num sebo aos 12 e logo comecei a criar a minha própria biblioteca.” O ensaísta Antonio Candido diz que os livros de Mindlin não foram adquiridos com dinheiro, mas com o coração. É com a mesma devoção que Cristina Fonseca revela detalhes tão preciosos.