Na mesma semana em que o presidente da estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), Jorge Alvarado, declarava que a Bolívia pagaria um “preço justo” à Petrobras pelo controle das refinarias nacionalizadas, o presidente Evo Morales protagonizou na quinta-feira 11 um espetáculo de ofensas e demagogia – e mais uma vez o destinatário de sua flechada populista foi o Brasil. Em entrevista coletiva em Viena, onde viajou para a IV Cúpula entre União Européia, América Latina e Caribe, o presidente boliviano acusou a Petrobras, a maior investidora estrangeira em seu país com US$ 1,5 bilhão, de ter “trabalhado ilegalmente”. Mais: ele disse que “não há razão para pensar em indenizações porque as empresas petrolíferas não eram proprietárias”, acusou-as de serem “contrabandistas e promoverem uma evasão de impostos” e reafirmou que os “contratos dessas empresas são inconstitucionais”. Inebriado com a própria retórica, faltou a Morales enxergar que existe uma refinaria brasileira de pé no país dele. E justificou o que chama de inconstitucionalidade (leia-se, rasgar contratos internacionais) bem ao estilo de quem foi líder cocaleiro, ganhou uma eleição e hoje se alça a ser o Fidel Castro de todos os Andes: “Os contratos eram desconhecidos do povo boliviano. Precisamos de parceiros, não de patrões para explorar nossos recursos.” Em nota oficial a Petrobras manifestou sua “indignação diante das acusações de que agira à magem da lei”. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, não descartou a possibilidade de retirar o embaixador brasileiro na Bolívia. Diante de tanto ataque boliviano, talvez fosse o caso de o Brasil suspender as negociações e levar a pendenga aos tribunais internacionais.

Também não faltaram flechas diretas para o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, que preferiu tratar Morales “com carinho” enquanto ele plantava as suas tropas na Petrobras. Na quinta-feira, em Viena, o presidente hermano foi grosso e pouco carinhoso com Lula. Foi bruto, até. Disse que não o avisou previamente sobre a nacionalização dos hidrocarbonetos porque “não tinha de informar, consultar ou negociar quando se trata de uma decisão soberana de seu país e de seu povo”. Assim, o Brasil e Lula foram mais uma vez atropelados pelos delírios autoritários de Morales. Há, no entanto, um detalhe. Lula se sentir ou não ofendido, isso é uma opção pessoal e voluntária dele. Quanto ao Brasil e à nação brasileira terem a sua soberania ferida e verem os seus contratos atirados no lixo, é um dever do presidente da República e de seu corpo diplomático calçarem as luvas do ringue. Diplomacia com carinho é para resolver assuntos de concurso de misse. Quando se trata de usurpação, a diplomacia é a guerra branca de rodadas de negociações para marcar posições e fazer valer os direitos. Em suma: Morales cresce na mesma medida em que corpo diplomático brasileiro mingua.

Como não há limites para o delírio autoritário do ex-líder cocaleiro (ou porque delira mesmo ou porque ninguém reage do lado de cá), ele vai em cima. Ainda na quinta-feira, um dia depois de expulsar do território boliviano a madeireira Caramamu de propriedade de um boliviano e de um brasileiro, ele ameaçou “expropriar latifúndios”, numa decisão que poderá afetar principalmente os produtores de soja brasileiros que estão naquele país. Como se não bastasse isso, Morales outorgou-se também o direito de invadir verbalmente o território do Brasil. E o fez pelo estado do Acre – originalmente boliviano, esse território foi comprado da Bolívia em 1903, pelo Barão do Rio Branco. “Os brasileiros trocaram o Acre por um cavalo”, disse Evo Morales. Se Lula e a linha diplomática do Brasil continuarem apeados, os acreanos que se cuidem. Num piscar de olhos eles podem se tornar hermanos bolivianos e deixarem de ser brasileiros.