02/08/2002 - 10:00
Detentos são resgatados
de helicóptero de uma penitenciária de segurança máxima. Prefeito é sequestrado e assassinado misteriosamente
por quadrilha que alega ter
errado o alvo. Um esquema de propinas envolvendo secretários municipais e empresários de transportes vem à tona. Tudo isso em ano eleitoral. Esses fatos reais cabem perfeitamente num roteiro de cinema. Para a opinião pública, o filme começou no dia 18 de janeiro, quando o então prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT), coordenador do programa de governo de Lula, foi sequestrado. O filme não acabou, embora a polícia tenha concluído o inquérito depois de prender mais de dez envolvidos no suposto crime comum.
Na última semana, o juiz Iassim Issa Ahmed abriu processo de extorsão e formação de quadrilha contra seis pessoas envolvidas no esquema de propinas entre a Prefeitura de Santo André e os empresários de ônibus da cidade, entre eles o ex-segurança Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, que estava com Celso Daniel em 18 de janeiro e escapou ileso. Paralelamente, a família do prefeito pede que o inquérito seja reaberto, levanta falhas nas investigações e insiste na tese do crime político.
Se não bastasse, surge um novo e também misterioso personagem: o piloto de aeronaves Dionísio de Aquino Severo, que no dia 17 de janeiro, um dia antes do sequestro de Celso, foi resgatado de helicóptero do presídio José Parada Neto, em Guarulhos. Recapturado no dia 3 de abril, Severo, que cumpria pena por tráfico e sequestro, prestou depoimento e contou que conheceu Sérgio Gomes da Silva em 1989. Chegaram a namorar a mesma mulher e frequentavam os mesmos lugares no ABC. No final do depoimento, Severo disse que sabia mais sobre a morte de Celso Daniel, mas só falaria em juízo. Não teve tempo. Foi assassinado a facadas na cadeia, sete dias depois. A autoria do crime foi atribuída ao famigerado Primeiro Comando da Capital (PCC). O motivo oficial: Severo era membro de uma facção criminosa rival. O processo sobre o cinematográfico resgate corre na 4ª Vara Criminal de Guarulhos. Detalhe: sob segredo de Justiça.
Dúvidas – Do outro lado da Grande São Paulo, em São Bernardo do Campo, os quatro irmãos de Celso Daniel continuam apontando falhas nas investigações sobre a morte do prefeito. A polícia concluiu que o assassinato foi um crime comum cometido por engano. Os autores planejavam sequestrar um comerciante num carro importado vermelho. Como o alvo não apareceu, resolveram pegar outro refém e escolheram a Pajero em que estavam Sombra e Celso Daniel – que saíam de um jantar no restaurante Rubayat –, sem saber que os ocupantes do carro eram um prefeito e seu ex-segurança armado. Dos mais de dez membros da quadrilha, só um ainda não está preso. “Qualquer um vê que não foi um crime comum”, diz João Francisco Daniel. O oftalmologista depôs no Ministério Público e, além de duvidar da tese sobre a morte, deu o enredo que originou à série sobre o propinoduto em Santo André. Na ocasião, falou também que o dinheiro desviado ia para a cúpula do PT. Na última semana, os outros irmãos estiveram juntos, em público pela primeira vez, para apoiar a tese da motivação política. “Não me interessa o esquema de propinas ou o destino do dinheiro, só falei isso para explicar que havia motivo para queima de arquivos. Só quero justiça para a morte do meu irmão,” completa João Francisco.
Se a polícia paulista garante que não há mais o que investigar sobre a morte, os quatro promotores que apuram o esquema de propina comprovaram parte do que o oftalmologista declarou. O juiz Ahmed, da 1ª Vara Criminal de Santo André, acolheu a denúncia e, na segunda feira 29, decretou a quebra do sigilo bancário e fiscal de Sérgio Gomes da Silva, do ex-secretário de Serviços Municipais Klinger Oliveira Souza e de mais quatro empresários de ônibus. “O juiz abriu processo por crimes de formação de quadrilha e extorsão. Agora, os réus serão chamados para depor em juízo”, explica o promotor Roberto Wider.
Um dos muitos detalhes intrigantes: as equipes que investigaram o assassinato do prefeito não levaram em consideração a conexão com o resgate de Severo em Guarulhos, de responsabilidade do delegado Romeu Tuma Jr., da delegacia seccional de Taboão da Serra. A equipe de Tuma encontrou papelada suspeita nas casas de dois envolvidos no resgate de Severo. Numa delas, havia recortes de jornal sobre o sequestro de Celso Daniel. Na outra, um envelope do restaurante Rubayat e, na garagem, um Santana azul. No porta-malas do carro, cabelos brancos – que podem ser do prefeito, segundo a perícia. Os bandidos que sequestraram o prefeito usaram um Santana azul. Pelo jeito, esse filme recheado de fatos paralelos ainda terá outras partes.