02/08/2002 - 10:00
A arrancada de Ciro Gomes na corrida presidencial está fazendo comer poeira a candidatura tucana de José Serra e já tira, tecnicamente, a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva, do PT. Ciro emparelhou com Lula, aponta a terceira pesquisa nacional ISTOÉ/Toledos & Associados, que tem uma margem de erro de 1,8%. O candidato da Frente Trabalhista (PPS-PTB e PDT) tem 34,3% das intenções de voto contra 33,6% de Lula. Mais atrás está José Serra, com 13,8%, e Anthony Garotinho (PSB), com 9%. Se somados, os candidatos da extrema esquerda, José Maria (PSTU) e Rui Costa Pimenta (PCO) não chegam a 0,5%. Estão com 0,3% e 0,1% do eleitorado, respectivamente. Lula, que chegou a registrar 40,5% em junho, caiu 6,9 pontos porcentuais, enquanto Ciro subiu 22,2. Serra é o que mais perde estrada: caiu 9,5 pontos e a distância dele para Ciro é de quase uma volta: 20,5 pontos. A pesquisa foi feita entre os dias 25 e 27 de julho, e foram entrevistadas 3.108 pessoas.
Na simulação para o segundo turno, Ciro, ao contrário da pesquisa anterior, levaria vantagem de 13,6 pontos sobre Lula. Ele teria 52,8% e o petista, 39,2%. Em junho, Lula venceria com 53,3%, e Ciro receberia 32,7% dos votos do eleitorado. Numa projeção entre Ciro e José Serra, o candidato da Frente também cruza a linha de chegada bem antes do adversário. Ciro teria 56,1% e o tucano, 30,7%. Se o segundo turno ocorresse em junho, Serra teria batido Ciro por 47,4% a 34,7%. No embate Lula e Serra, o petista ganharia com 47,4%, contra 41,2%. Em junho, segundo os números, a performance de Lula seria melhor: 49,7%, contra 39,5% do tucano.
Mas na pista de Ciro qualquer desnível de percurso pode interromper a velocidade de crescimento, que, segundo o sociólogo e diretor da Toledo, Francisco José de Toledo, foi rápida demais. “Houve uma espécie de alma coletiva com relação ao Ciro. Aumentou a crença de que ele ganharia. No espaço de duas semana, esse sentimento tomou conta do eleitorado e todos queriam votar no Ciro na base do ‘eu acho que vai ser ele’.” Para o sociólogo, as preocupações de Ciro se traduzem nas figuras do vice, Paulo Pereira da Silva, ex-presidente da Força Sindical, e do ex-coordenador nacional da campanha da Frente, José Carlos Martinez (PTB-PR). Martinez jogou a toalha na quinta-feira 1º, depois de tornar-se munição pesada para os adversários.
Ele tomou dinheiro emprestado em 1991 – cerca US$ 8 milhões – do ex-tesoureiro de Collor, PC Farias, para comprar a tevê Corcovado, no Rio de Janeiro, e, com isso, ampliar a rede OM, hoje a CNT. O dinheiro entrou na conta do deputado através de cheques emitidos por fantasmas do Esquema PC. Paulinho, outro motivo de desgaste político para Ciro, pode ser a próxima mudança na campanha do PPS. Foi acusado de cometer irregularidades, como superfaturar a compra de uma fazenda repassada aos trabalhadores da Força quando estava à frente da entidade. E mais: manteve um sítio em nome de um laranja por três anos. O presidente do PPS, senador Roberto Freire, não põe o pé no freio ao reforçar que Paulinho tem que esclarecer as denúncias: “Todo mundo está pedindo, a sociedade está pedindo.”
Mesmo estando na confortável posição de ser o preferido por 27,7% do eleitorado como a segunda opção, seguido por Serra, com 24,8%, Garotinho, com 13,7%, e Lula, 12,7%, Toledo adverte que o eleitor começa a associar o temperamento de Ciro ao de Collor. “A tentativa de torná-lo semelhante a Collor relacionando-o à ideologia, honestidade ou capacidade de trabalho não pega. O que pega é o temperamento, as reações intempestivas como se tem visto em declarações como o fim da CC-5 (contas que permitem transferência de dinheiro para o Exterior) e o presidencialismo parlamentarizado. Isso reflete nas bases”, afirmou Toledo. Mas os marqueteiros de Ciro, auxiliados por pesquisas qualitativas, andaram rápido. Na quinta, sem se alterar, Ciro falou da renúncia de Martinez e, calmamente, respondeu às perguntas que geralmente costumam acender seu pavio curto.
Percorrendo a mesma estrada rumo ao Planalto, acidentes de percurso fizeram com que Lula perdesse a força, segundo estudo da Toledo. O esquema de propina denunciado em Santo André, cidade governada pelo PT, após o assassinato do prefeito Celso Daniel, respingou sobre Lula. O que era para ser vitrine, virou vidraça: seis colaboradores diretos de Daniel, entre eles um secretário municipal, foram denunciados pela Justiça e já respondem a processo por extorsão e formação de quadrilha (leia à pág. 40). O efeito Santo André foi sentido no índice de rejeição do petista, que subiu 8,5% se comparado ao do mês de junho: Lula tinha 22,9% e passou para 31,4%, aproximando-se de um patamar perigoso – dos 33% aos 35% –, que impede qualquer candidato de vencer uma batalha num possível segundo turno.
Percorrendo a trilha da rejeição, percebe-se que Lula terá que, mais uma vez, desarmar a bomba montada por seus adversários a cada eleição: de que não tem experiência para governar o País. Uma fonte comum de restrição feita pelos eleitores a todos os que estão na disputa foi: “Não gosto do candidato.” Nesse quesito, Lula e Ciro empatam, dentro de seus números absolutos – de 31,4% e 3,9% respectivamente –, com 37%. Quanto a Lula, a falta de experiência aparece com 27%. Com relação a Ciro, que tem um índice baixíssimo de restrição, o segundo motivo para rejeitá-lo como candidato é a falta de confiança (36%).
Choque – Para o sociólogo Toledo, o bate-boca entre Ciro, Serra e Lula não ajuda a nenhum dos candidatos. “Ficam se agredindo sem perceber que há compatibilidade e reciprocidade entre os seus eleitores.” Dos 27,7% de intenção de voto em Ciro como segunda opção, 58% decorrem de eleitores de Lula, 28,7%, de Serra, e 12,9 %, de Garotinho. Serra, com 24,8% das intenções de voto alternativo, recebe mais votos dos eleitores de Ciro (60,4%) do que de Lula (28,6%). Já o petista como segunda opção receberia 65,9% dos 12,7% de intenções que possui dos eleitores de Ciro. Com o agravamento da crise econômica e a necessidade de chegar ao segundo turno, não foi possível impedir uma batida de frente entre Serra e o ex-governador do Ceará. Serra, que começou a se aproximar do governo FHC no último fim de semana, quando apareceu com o presidente e dona Ruth no Planalto e almoçou com Pedro Malan, principal alvo de suas críticas quanto à condução da política econômica, pôs o pé no acelerador.
Na terça 30, quando o dólar fechou em R$ 3,30, mais um recorde na era do real, foi taxativo: “Toda vez que ele (Ciro) abre a boca, o dólar sobe e uma fábrica fecha. Ele está jogando com o quanto pior melhor.” O candidato se referia às críticas de Ciro ao governo por FHC recorrer ao FMI para conter a histeria do mercado, que potencializa a tensão pré-eleitoral, e estancar a sangria nas nossas reservas. Até pouco tempo atrás, essa manobra era usada para atacar o candidato do PT, acusado pelo Planalto de ir de encontro ao real e à estabilidade e, com isso, fazê-lo patinar na pista (leia mais sobre a crise econômica à pág. 68).
Serra também tem recebido orientação de seus assessores para convencer o eleitorado que é a continuidade sem continuísmo. A primeira foi falar mais rápido, para não parecer uma pessoa vacilante. O efeito já foi sentido na própria quinta-feira. Mais incisivo, voltou a atacar Ciro de forma genérica. Ele se reuniu com o comando político da campanha para conter as defecções. Esteve com o prefeito do Rio, César Maia, a fim de frear a debandada do PFL regional para a esteira de Ciro, a exemplo do que vêm fazendo as figuras de expressão nacional do partido, como o ex-senador Antônio Carlos Magalhães, que renunciou para fugir da cassação; o presidente da legenda, senador Jorge Bornhausen, e mais recentemente o líder do partido na Câmara, Inocêncio Oliveira. Serra também tem atuado na cúpula do PMDB para manter o partido junto à sua candidatura.
Animação – Nos boxes da campanha tucana, a aposta está no horário eleitoral, que começa no dia 20 de agosto. Serra vai dispor de 19,27 minutos por dia para recuperar os pontos perdidos. Mas o comportamento do candidato também tem alegrado caciques como FHC. Por telefone, o presidente checou com um fotógrafo da campanha se Serra realmente havia almoçado num restaurante popular em Samambaia, cidade satélite do DF, apesar de suas fortes restrições alimentares. “E ele comeu?”, perguntou FHC. Diante da resposta positiva do fotógrafo, exclamou: “Então tá bom mesmo!” Na pesquisa ISTOÉ/Toledo, a única vice que acrescenta intenção de voto ao candidato é Rita Camata (PMDB). A deputada seria uma espécie de terceira onda. Quando as chapas aparecem completas para escolha do eleitor, Serra, que tem 13,8%, passa a 15,2%, ou seja, um crescimento de 1,4 ponto (10,1%). “Tenho convicção de que a bola do Serra não está parada. Não será surpresa se ele apresentar crescimento a partir de agosto. Isso decorre não só de acertos da campanha ou do candidato, mas do desacerto dos outros”, afirmou. Segundo o sociólogo, os tucanos deveriam explorar melhor o potencial de Rita Camata, “uma deputada com projetos importantes, uma pessoa articulada que faz contraponto com a atriz Patricia Pillar (mulher de Ciro)”. Toledo lembra a entrada da prefeita Marta Suplicy na campanha de Lula, afirmando que a participação da mulher – com esse perfil executivo, moderno e politizado – na eleição é fundamental.
Sem verba para a campanha, Garotinho tem encontrado sérias dificuldades nos Estados, mas admite que vai até o fim com sua candidatura. “Quem tem que renunciar é o Serra”, repete e emenda: “Já disputei eleições com índices menores que estes e venci.” Os candidatos ao governos da Bahia, Lídice da Mata; de São Paulo, Jacob Bittar; e de Pernambuco, Humberto Barradas, desistiram de disputar as eleições majoritárias. O estudo tabulado pela Toledo apresenta pela primeira vez o Índice de Potencial Absoluto e Relativo de voto dos candidatos, que estima o crescimento das candidaturas. Garotinho, por exemplo, no Potencial Relativo em 2 de agosto (base julho/agosto) atingiria no máximo 13,7% das intenções, ou seja, 4,7 pontos a mais do que tem hoje. Ciro continuaria à frente dos números, podendo chegar a 43%, e Lula, a 38,2%. Já Serra estaria, no cenário atual, no limite de 18,9%. Na dança dos números é arriscado apostar quem largará na pole position e, principalmente, quem fará a melhor performance para chegar ao segundo turno. Projeções sobre quem receberá a bandeirada e subirá no pódio com a faixa presidencial vão demorar mais tempo. O eleitor vai precisar sentir os efeitos do horário gratuito e dos debates. Da classe média para baixo, por exemplo, a verborragia em economês sobre a crise terá pouco peso no voto. Nesse setor, onde se encontra a maioria do eleitorado, a preocupação está no desemprego e na segurança pública.