17/04/2002 - 10:00
O caso do esquizofrênico que protagonizou um triângulo amoroso com duas funcionárias do manicômio judiciário. A triste história do homem que cometeu um único crime: roubou um brinquedo, foi preso, enlouqueceu na cadeia e acabou ficando 35 anos confinado como doente mental. E o episódio do psiquiatra que cuidou da saúde mental dos detentos no manicômio e, mais tarde, voltou para lá como paciente. Estes e outros casos têm como cenário o Manicômio Judiciário de Franco da Rocha, na Grande São Paulo, e são contados de forma saborosa no livro, que chega esta semana às livrarias, A casa do delírio – reportagem no Manicômio Judiciário de Franco da Rocha (Ed. Senac, 186 pág., R$ 25,00), do jornalista Douglas Tavolaro, repórter de ISTOÉ. Durante um ano e meio, o autor fez visitas rotineiras ao presídio e realizou centenas de entrevistas com pacientes, familiares, psiquiatras e funcionários. O livro também traz ensaios realizados pelos repórteres fotográficos Ricardo Giraldez, de ISTOÉ, André Sarmento e Ana Mazzei Nogueira.
É a primeira vez que o presídio, o maior do gênero no Brasil, fundado em 1933, ganha narrativas de sua existência e da trajetória de seus personagens, como o ladrão mais famoso dos anos 60, João Acácio, o Bandido da Luz Vermelha. Este mereceu um capítulo exclusivo, dedicado também à transcrição de seu primeiro exame de sanidade mental, de 1968, nunca antes publicado. Os trechos, narrados em primeira pessoa por Acácio, revelam o desejo do bandido de ser um sujeito “normal”: “Eu queria ser um cara bacana, honesto. Não sou a coisa ruim que o jornal fala agora. Se tivessem me dado ajuda, eu não tinha este destino de ladrão, não seria um analfabeto sem documento que ninguém quer dar emprego. (…) Eu só queria viver do jeito de todo mundo.”
Surto de alegria – A reportagem revela detalhes do cotidiano no manicômio. Alguns números assustam, como, por exemplo, os 125 mil psicotrópicos consumidos mensalmente pelos 614 detentos. Mas nem tudo são trevas. Tavolaro conta no livro que, em 2000, o campeonato de futebol interno foi um episódio cômico. Depois da última partida, o artilheiro da competição e o goleiro do time perdedor se encontraram na enfermaria: nada grave, mas o goleador surtou de alegria, e o goleiro, de tristeza. A casa do delírio é assim, recheada de histórias interessantes, trágicas, emocionantes e algumas até felizes. No prefácio, o jornalista Marcelo Coelho, do jornal Folha de S.Paulo, resume o valor da obra: “O leitor acompanha as histórias mais desconcertantes e terríveis da doença mental sem perder nunca o interesse, mas, claro, também sem perder nunca a dimensão do sofrimento dos personagens retratados.”