17/04/2002 - 10:00
A música eletrônica saiu do gueto. Durante anos ela foi identificada como um gênero só para iniciados, que se vestiam como os jovens modernos de Londres e abarrotavam casas noturnas até as dez da manhã. Mas a julgar pelo que se verá na terceira edição do Festival Skol Beats, no sábado 20, no autódromo de Interlagos, em São Paulo, essa “música de clubber” já virou pop. O maior festival do gênero da América Latina deverá receber 40 mil pessoas, o dobro da primeira edição. Talvez porque as pessoas estejam acostumadas à batida. Se nem todas a conhecem pelo
nome – tecno, drum’n’bass, lounge, house, variantes da velha dance music –, certamente sabem o que é mexer os quadris e os braços
para seguir seu ritmo.
Para se popularizar, a e-music, como é chamada, deixou o escuro das pistas e foi para o rádio e a tevê. O grupo Groove Armada, a grande atração do Skol Beats deste ano, é famoso por aqui pela música My friend, incluída na novela O Clone como trilha da boate de Luciano
Szafir. Formada pelos ingleses Andy Cato e Tom Findlay, DJs e multiinstrumentistas, o duo também é a vedete das trilhas sonoras
de Big brother Brasil e Casa dos artistas. Tanto sucesso se deve
ao fato de que o Groove Armada está mais para banda pop do que eletrônica propriamente dita. Nos shows se apresenta ao vivo,
juntando a parafernália digital a uma banda com violão, bateria, percussão, teclado, trombone e trompete. Outra atração da noite,
o trio galês Kosheen, é tão popular que seu hit Hide you foi parar
na abertura do Planeta Xuxa.
Unir DJs e músicos profissionais ajuda a tornar palatáveis, para ouvidos menos acostumados, a batida metálica e impessoal da música eletrônica. Luiz Eurico Klotz, diretor artístico do Skol Beats, explica: “Um Caetano Veloso tocando tecno atrai mais atenção do que qualquer DJ gringo discotecando sozinho.” Por isso mesmo, o festival, que terá 54 bandas em 18 horas ininterruptas de música, vai reservar um palco só para
shows ao vivo.
No Brasil, esse formato é seguido por DJs consagrados como paulistano Patife. Um dos maiores nomes do drum’n’bass, ele já fez quatro turnês pela Europa e é atração obrigatória em qualquer rave. Mas só passou a tocar de fato nas rádios quando uniu seu som à voz da cantora Fernanda Porto. Em seus shows, ela toca guitarra e sax e canta samba e soul sem abrir mão das bases eletrônicas. “Música eletrônica tem uma sonoridade moderna, mas o público em geral não sabe o que é”, comenta Fernanda. “É tudo uma questão de misturar. Com o músico tocando na pista, o DJ vira maestro”, completa Patife.
Mais relaxante e suingada do que a música tecno original, essa mistura virou moda e ganhou o nome de Nu Bossa Nova. Raves nas praias e festas promovidas em boates como o Sirena, em Maresias, ou a Bunker, no Rio, ajudaram a divulgar o estilo. Hoje, programas adolescentes como os da MTV ou o Caldeirão do Huck são os que mais pagam direitos autorais para DJs brasileiros como Ramilson Maia. “Não é à toa que a Bavária trocou os sertanejos pelos DJs ou que a Skol passou a realizar raves na praia”, diz. “A indústria descobriu que jovem ouve eletrônica e adotou esse som para chegar até ele.”
Como resultado, músicos que até há pouco cantavam pop ou MPB aderiram ao estilo. É o caso da cantora Patrícia Marx. Na segunda-feira 8, no clube Lov.e, a meca dos modernos paulistanos, os DJs Bruno E. e Mad Zoo alternavam batidas enquanto Patrícia assumia os vocais. “Canto uma mistura de black music, soul e batidas atuais. Minhas letras falam sobre o budismo, que conheci há um ano e meio”, narra ela. Organizador da Ecosystem 1.0, mega rave realizada em Manaus, no ano passado, o DJ Soul Slinger acredita que essa tal música eletrônica cantada tenha vindo para ficar. “É a opção mais comercial, que ajuda a viabilizar grandes festivais”, afirma. “Talvez a moçada se ligue e passe a fazer suas próprias festas.” A 2ª Rave da Amazônia, em agosto, dirá se suas previsões estão corretas.