A partir do fim do mês, alguns bois
da fazenda do pecuarista Nelson Pineda, em São Paulo, vão começar a pastar
de brinco. Um brinco bem moderno, por sinal. Longe de servir de adorno, a peça carrega um chip, responsável pela identificação eletrônica do animal. Cada movimento dele, desde o nascimento
até o abate, vai ficar registrado e à disposição do mundo, via internet, a partir de um computador na Inglaterra. “O comprador ganha uma senha para se informar da sanidade do animal”, diz o criador. O sistema está sendo inaugurado em fase experimental
e, em breve, será uma exigência para o comércio de carne com
a União Européia.

É mais um sintoma de que o bife nacional, aos poucos, está abrindo as porteiras do mundo. Impulsionada pela doença da vaca louca na Europa, que dizimou rebanhos inteiros, pela descoberta de focos da febre aftosa na Argentina e pelo ganho de produtividade dos últimos anos, a carne brasileira procura agora novos mercados. Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o Brasil exportou, no ano passado, US$ 1 bilhão em carnes bovinas, ou quase 50% a mais do que em 2000. Mais de dois terços do volume para a Europa e para os Estados Unidos. O restante desembarca no Oriente Médio e na América Latina e, em menor escala, na Ásia.

Foram, ao todo, 800 mil toneladas de carne – ou 10% da produção local – que colocaram o País no terceiro lugar no ranking mundial do comércio internacional de bovinos. “Seremos os primeiros em breve”, anuncia, confiante, José Olavo Borges Mendes, presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ). Zebu é a raça de gado predominante no País. Importada da Índia há mais de 70 anos, hoje domina 80% do rebanho brasileiro de quase 170 milhões de cabeças (ou quase um boi para cada ser humano no território nacional).

Burocracia – Na frente do Brasil no comércio exterior só restaram a Austrália (com 1,2 milhão de toneladas/ano) e os Estados Unidos (985 mil toneladas/ano). Há dez anos, o Brasil estava em sexto no ranking, com pouco mais de 300 mil toneladas/ano, segundo dados recolhidos por Pineda. A confiança do setor em alcançar a liderança em breve vem de fatores geográficos – a imensidão territorial e o clima propício à prática da pecuária durante o ano todo – e econômicos – o custo de criação no País é o mais baixo do mundo, por conta da mão-de-obra barata e das facilidades em se criar os bois em pasto, sem necessidade de investimentos em ração, como ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos.

O atual sonho de consumo dos criadores e donos de frigoríficos é a Ásia. Com rotas em processo de consolidação na Europa e nos EUA, resta buscar, principalmente, os mercados chinês e japonês. “Se cada chinês comesse um bife por dia…”, sonha Mendes, da ABCZ. “É um mercado muito cheio de barreiras, temos de ser cautelosos”, diz o presidente da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne Industrializada (Abiec), Edivar Vilela de Queiroz. Todo processo de desbravamento de novos mercados é complicado, lento e burocrático.

Quando envolve um produto tão delicado quanto alimentação, então, as dificuldades se multiplicam. É preciso estabelecer acordos sanitários com os países-alvo e, principalmente, manter compromissos de estabelecimento de qualidade. O surgimento de doenças como a febre aftosa pode arruinar contratos milionários – como já aconteceu quando alguns focos da febre foram detectados no Rio Grande do Sul, no ano passado (a situação já está controlada e o rebanho só precisa do reconhecimento oficial para voltar a ter o selo de qualidade). Outra barreira comum é o hábito alimentar. Na China, por exemplo, consome-se muito carnes suínas e de aves.

Outro empecilho, este de caráter passageiro, tem sido o baixo preço
da carne argentina – cuja qualidade é, em muitos casos, superior
à brasileira. A desvalorização do peso e a crise econômica baixaram
para US$ 8 o preço da arroba, enquanto a carne brasileira sai por
US$ 18. “No momento, essa tem sido nossa grande preocupação”, diz
o presidente da Abiec.

A cadeia de criadores e produtores terá uma grande chance, no início de maio, de vender o seu peixe (ou o seu bife, melhor dizendo) para a comunidade internacional de compradores. A tradicionalíssima ExpoZebu, que ocorre há quase 70 anos em Uberaba (MG), vai receber cerca de 500 estrangeiros este ano, contra 130 no ano passado. No ano passado, o evento fez girar R$ 50 milhões em negócios. Incluído na soma está o maior preço pago por um reprodutor bovino na história mundial: metade do “passe” da vaca Essência da Guadalupe, de propriedade de um criador paulista, foi vendido por R$ 840 mil. No mesmo leilão, o jumento Chapadão, de Uberaba, também trocou de mãos por um valor que chega a ser inacreditável: R$ 119 mil. Somas tão grandes justificam-se pela capacidade e qualidade de reprodução desses animais.

Mas, à parte os leilões de animais e os shows de cantores populares que movimentam a cidade durante o evento, a ExpoZebu deste ano deve render mesmo é nos bastidores. “Nós pedimos a todos os representantes da América Latina para que tragam algum responsável do governo para discutirmos questões sanitárias”, diz o presidente da ABCZ. Nosso rebanho pode dar mais um passo rumo ao Exterior.