10/04/2002 - 10:00
Empadão de carne seca, peito de frango ao molho de pitanga, suflê de baunilha com calda de mamão. Esses pratos poderiam ser as estrelas do cardápio de qualquer restaurante sofisticado, mas são, na verdade, comida servida em hospitais brasileiros. Para alegria dos pacientes, é cada vez maior o número de instituições nas quais os doentes desfrutam de verdadeiras iguarias culinárias. São receitas criativas e saborosas, que acabam de vez com a velha idéia de que comida de hospital é sinônimo de comida ruim.
A tendência é tão forte que já há até um concurso para a escolha do melhor prato de hospital. A idéia da competição, organizada pela Nestlé, surgiu das visitas que a gerente de marketing do segmento hospitalar da empresa, Claudia Leite, fez aos hospitais do País. “Percebi uma atenção à gastronomia em muitas instituições. Resolvi criar algo que mostrasse as mudanças que estavam acontecendo nessas cozinhas”, explica Claudia. Foram 59 inscritos em todo o Brasil. Na quarta-feira 3, foi eleito o grande vencedor: o Sírio-Libanês, com o prato paupiette (carne enrolada) com legumes refogados e purê de salsão. No concurso, ficou demonstrado que para oferecer boas opções ao doente nem sempre é preciso muito dinheiro. Um dos finalistas foi o Hospital das Clínicas de Pernambuco, instituição pública sem condições de comprar alimentos caros. O único investimento dos nutricionistas foi em criatividade. Um dos pratos apresentados na competição foi um peito de frango ao molho de jerimum (abóbora), ingredientes baratos que faziam parte das refeições, mas que, juntos, resultaram em opção mais saborosa. “Servir um feijão bem feito, um prato bonito e colorido já faz com que o doente se sinta bem tratado”, afirma Tânia Matos, nutricionista do hospital.
Nos hospitais privados, além da criatividade, investe-se na sofisticação dos pratos. O Sírio-Libanês, de São Paulo, há um ano oferece um cardápio diário no qual o paciente escolhe entre três opções de entrada, prato principal e sobremesa. Todas de dar água na boca, como o assado de entrecôte com molho de azeitonas pretas. “Hoje o doente é bem informado, faz cursos de culinária e valoriza a nutrição. Por isso, é essencial que na hora em que ele está internado continue a receber a comida no padrão ao qual está acostumado”, explica Audrey de Castro, nutricionista do hospital. A cozinha moderna do Sírio nada lembra a primeira refeição feita lá. A funcionária mais antiga da área, Mery
Tozaki, hoje gerente de nutrição, recorda-se que, na ocasião, uma
das diretoras e um médico foram até uma feira próxima, compraram frango e fizeram uma canja para os pacientes. Hoje, trabalham no
setor 19 nutricionistas e 160 funcionários.
Essa mudança na forma de encarar a comida oferecida ao doente é resultado da constatação de que a alimentação tem papel importante na recuperação não só por suas qualidades nutricionais. Ela também é fonte de prazer e descontração, sensações que fortalecem o sistema de defesa do organismo do paciente, deixando-o mais resistente para vencer a doença. Claro que os pratos continuam obedecendo o equilíbrio de nutrientes necessários a cada tipo de doente – as dietas com pouco sal, por exemplo, estão entre as opções. Mas, mesmo que haja restrição, o que se tenta é fazer o melhor na medida do possível. “Os hospitais estão parando para pensar em quem é o cliente, do que precisa e do que gosta”, afirma Maria Terezinha Antunes, nutricionista do Hospital São Lucas da PUC de Porto Alegre. Na instituição, há um cardápio diário e também a opção de outro menu para quem desejar.
Mas as transformações vão além de temperos e criatividade. O atendimento também mudou. Até pouco tempo atrás, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, só conversavam com os nutricionistas os pacientes que precisavam de algum tipo de restrição na dieta. Hoje, todos recebem a visita de um profissional, que anota seus hábitos, aversões e até expectativa em relação à alimentação. Para contemplar todas as necessidades, existem 28 tipos de refeição, desde as convencionais, como as líquidas e sem sal, até as pediátricas. E a gerente de nutrição, Elizete Lopes, avisa que para este ano a meta é fazer um cardápio para cada uma dessas dietas, com alternativas de dar inveja aos melhores restaurantes. “Hoje temos uma visão de que se o prato estiver tecnicamente perfeito, mas não estiver gostoso, não atingimos nosso objetivo”, diz Elizete. Desse jeito, vai ter gente pedindo para o médico adiar a alta só para ficar internado mais um pouquinho.