10/04/2002 - 10:00
O que acontece quando um jovem poeta apaixonado descobre a arte dos grandes mestres à luz de uma paixão? No caso do talentoso poeta e escritor austríaco Rainer Maria Rilke (1875-1926), aconteceu o livro O diário de Florença (Nova Alexandria, 144 págs., R$ 24), pequena obra-prima de lirismo e observação artística que marcaria não apenas a vida do autor como a de toda a crítica das artes a partir dele. O diário de Florença, a rigor, não chega a ser um diário, mas o registro atropelado do impacto da intensa atmosfera artística italiana do final do século XIX na alma de um jovem Rilke. Escrito quando ele tinha apenas 22 anos, o livro nasceu como uma válvula de escape para o conflito de emoções em que vivia, depois de ter sido praticamente obrigado a mergulhar no rico mundo da cultura universal por influência de sua musa, a culta e inteligente Lou Andréas-Salomé, 15 anos mais velha que ele e personagem ativa do circuito intelectual da Alemanha de
final de século.
É para Lou que Rilke escreveu este Diário. Ele desfrutava de prazeres inusitados ao descobrir os encantos e idiossincrasias de grandes mestres, como Michelangelo, Rafael, Botticelli. Mas protestava veementemente contra a distância imposta pela namorada, que exigia seu aprimoramento intelectual como passe para o exercício da paixão. Sempre é bom lembrar que o sacrifício valeu todas as penas, pois resultou num livro de extremada e surpreendente delicadeza, considerando-se a pouca idade do autor e o desespero em que por momentos se deixava afundar, morto de saudades e de frustração. Diário de Florença também é um excelente exemplo de como a crítica de arte pode, sim, ser revestida não de mau humor, mas de intensa sensibilidade.