10/04/2002 - 10:00
Vai dar muito pano para manga a mais recente ousadia musical da dupla inglesa Pet Shop Boys, que lançou mundialmente, na segunda-feira 1º, o ótimo álbum Release, seu oitavo disco de estúdio. Na balada The night I fell in love, semelhante àquelas em que no passado os rapazes costumavam tirar a garota mais bonita do bairro para dançar de rosto colado, o vocalista Neil Tennant narra um caso de paixão à primeira vista. Só que nos dois pólos, respectivamente, se encontram um tímido estudante colegial e um rapper famoso e gentil, pelo menos na intimidade. Tudo se inicia depois de um show, no camarim do astro, terminando na manhã seguinte, na calma de um luxuoso quarto de hotel. Como o Pet Shop Boys é um grupo gay, não há o que se estranhar. A diversão fica por conta da óbvia paródia da música Stan, sucesso do homofóbico rapper americano Eminem, sugerindo que a tal estrela da canção é o próprio loiro desbocado. “Eu realmente me inspirei na controvérsia sobre a homossexualidade de Eminem, usando seu método de compor, que é encarnar personagens nas canções”, disse Tennant em recente entrevista.
A brincadeira fez o CD virar notícia ao redor do mundo. Mas Release tem qualidades musicais que dispensam manobras de marketing. Pela primeira vez em 20 anos, o PSB – formado pelo ex-crítico de música Tennant e pelo ex-estudante de arquitetura Chris Lowe, que cuida dos teclados –, se afastou um pouco do formato dance, agregando guitarras, baixos e percussão. Entre os guitarristas, o grande destaque vai para a fera Johnny Marr, a alma melódica da extinta banda inglesa The Smiths, que comparece em oito das dez faixas do disco, fazendo-o soar ligeiramente rocker. Nada contra a excelente dance music romântica do PSB, dono de hits como West end girls, It’s a sin e Being boring. É que, no caso, a guinada ampliou os horizontes da dupla, como prova I get along, canção de tons beatlemaníacos sobre o fim de um romance. Só ampliou, porque Tennant afirma ainda ser fiel ao tecno-pop.
Mas, no geral, em Release a predominância é de baladas bem acabadas à maneira do antológico Behaviour (1990). Um exemplo é a faixa London, que fala de imigrantes russos à procura de emprego na capital inglesa, cantada com vozes distorcidas pelos recursos eletrônicos do vocoder. Em E-mail, cuja introdução soma o ruído de conexão da internet aos acordes iniciais de West end girls, Tennant saúda a volta das cartas de amor através da rede de computadores, que cria situações nas quais “se pode escrever coisas/ que temos vergonha de dizer”. Pode-se falar que é uma feliz atualização de I just called to say I love you, de Stevie Wonder. “Minhas letras favoritas não são as que soam inteligentes, mas aquelas em que você se expressa de forma tão simples que as pessoas nem notam”, explica o vocalista. Para não frustrar os fãs, a dupla não abriu mão do bate-estaca, reservando ao estilo três faixas – Home and dry, Here e The samurai in autumn. Mesmo quarentões, os titios clubbers ainda injetam inteligência no batuque eletrônico.