O empresário Antônio Ermírio de Moraes dispensa apresentações. Dono de um dos maiores grupos empresariais do País – o Grupo Votorantim, que faturou R$ 16 bilhões em 2005 – e prestes a completar 77 anos, o homem continua trabalhando como se tivesse trinta e poucos e só fala em trabalho. Além de suas atividades nas empresas, que consomem brincando 12 horas por dia, ele dedica duas horas diárias ao Hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo, e ainda arruma tempo para ler e dar os últimos retoques em uma nova peça sobre educação que pretende encenar este ano. Sobre o Brasil, o empresário, que já foi candidato à Prefeitura de São Paulo (“a pior experiência da minha vida”), acha que o governo Lula ainda não mostrou a que veio e que o PT mudou muito (para pior) depois que chegou ao poder. O futuro, nas palavras de Antônio Ermírio, pertence aos herdeiros (ele tem nove filhos, mais de 20 netos e dezenas de sobrinhos), que estão sendo preparados para assumir as empresas do grupo. Aposentadoria? Nem pensar. “Quero morrer trabalhando para não virar um velho gagá.” Na entrevista, concedida na sexta-feira 4, véspera de Carnaval, o empresário não poupou críticas à política de juros e defendeu um plano de metas, ao estilo do adotado durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956/1961).

ISTOÉ – IstoÉ ? O Brasil continua um país rico de gente pobre?
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio de Moraes – Está melhorando, mas muito lentamente. Quisera que fosse diferente. É preciso que se dê mais oportunidades. Você precisa investir. O setor financeiro, que cria muito pouco emprego, ganha muito. Precisamos começar a produzir mais. Repito isso várias vezes: o PIB brasileiro corresponde a 1% do PIB do mundo e se equivale ao da Noruega. É uma vergonha. Um país como o Brasil tem tudo para ter uns 5% do PIB mundial, tranquilamente. Agora, é preciso trabalhar, acreditar no Brasil e ir em frente.

ISTOÉ – IstoÉ ? O País tem pressa?
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio – Estão copiando exatamente o que o Fernando Henrique Cardoso deixou, que não era ruim. Agora, precisa andar um pouco mais depressa. Olhar para as classes menos favorecidas e criar empregos. O mais importante disso não é dar esmolas, é criar emprego, porque ninguém gosta de receber esmola.

ISTOÉ – IstoÉ ? Mas houve uma melhora no emprego no ano passado…
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio – Boa parte desses empregos é precária ou temporária,
não é firme. Uma espécie de tapa-buracos.

ISTOÉ – IstoÉ ? O que está faltando para o emprego decolar?
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio – Devíamos ter um plano de metas. Um plano ousado em que, se não desse para chegar aos 100%, atingíssemos uns 80%. Mas não podemos ficar nesta pasmaceira, que ninguém sabe como fazer ou não quer fazer. Ninguém investe. Hoje, se não houver incentivo, ninguém faz nada. É muito mais fácil aplicar os recursos num banco e ganhar dinheiro sem fazer força. Se o governo não patrocinar isso, o País não vai andar.

ISTOÉ – IstoÉ ? O sr. se decepcionou com a ortodoxia do governo?
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio – Está na hora de mudar. Eu trabalho há 55 anos e sempre combati os juros elevados. Já tomei cada paulada de banqueiro. Mas não mudou nada. Pelo contrário: parece que o momento é ainda mais favorável aos bancos. Só se fala em aumentar os juros. Ninguém fala em aumentar a produção, em investir mais em agricultura, na indústria de base, em bijuteria…

ISTOÉ – IstoÉ ? E como se segura a inflação?
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio – É melhor uma inflação ligeiramente alta, mas ver mais gente trabalhando. No tempo de Juscelino Kubitschek, a inflação era alta, mas todo mundo trabalhava e o País era mais respeitado no Exterior. Agora, se você tem os juros elevados, eu venho aqui às 8h, saio às 8h10 e aplico todo o meu dinheirinho. Não faço mais nada, sou um verdadeiro parasita da nação.

ISTOÉ – IstoÉ ? E os ministros, o que o sr. tem achado?
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio – Falo dos que conheço. O ministro Furlan (Luiz Fernando)
é um sujeito muito sério, inteligente. A mesma coisa o Roberto Rodrigues
(da Agricultura). O Palocci (Antônio, da Fazenda) me parece que realmente
está fazendo uma bela gestão.

ISTOÉ – IstoÉ ? O presidente Lula anda criticando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ele tem falado muito de improviso e usado muita metáfora, como a história do tsunami…
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio – Aquilo foi uma bobagem. Lula confundiu maremoto com vendaval. A mais absoluta e sincera ignorância, o que é ruim para o presidente. Não gosto. Quando li aquele negócio, pensei: meu Deus, que bobagem! Tem consultoria. Meu Deus, consulte; não fale de improviso. Essas gafes não pegam bem.

ISTOÉ – IstoÉ ? Ele tem reclamado muito da chamada ?herança maldita?…
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio – O Lula tem de trabalhar muito para sair dessa “herança maldita”, tadinho. Eles estão trabalhando pouco.

ISTOÉ – IstoÉ ? Onde o sr. acha que deveria haver mais esforço?
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio – Na prática de produção. O Brasil precisa produzir mais.
Um país como o Brasil tem de produzir e tem que ter emprego. E não é só
pensar na inflação e aumentar os juros para manter a inflação na baixa. Eu não
tenho nada contra os bancos, mas compare o balanço de um banco com o de
uma empresa normal. É ridículo.

ISTOÉ – IstoÉ ? O ano de 2005, apesar dos juros altos, fechou com crescimento de 5% no PIB, a indústria expandiu…
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio – O setor industrial cresceu quase 9%. Precisa crescer de novo e continuar nessa base. Tem de manter essa taxa de crescimento por uns dez anos para o Brasil tirar o pé da lama.

ISTOÉ – IstoÉ ? O que falta para o Brasil atingir esse crescimento sustentável?
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio – A primeira coisa que a gente tem de fazer é cuidar da educação. A educação não é apenas tirar o diploma e não saber nada. Essas escolas que eu vejo por aí são muito ruins. De vez em quando, recebo estudantes aqui e fico até envergonhado. Não sabem nada! O que estão fazendo? Gastando o dinheiro dos pais, do governo e passando na boa vida. Isso é sério, e seriedade se aprende quando se é menino.

ISTOÉ – IstoÉ ? Comenta-se que, quando se trata dos juros, o ministro Palocci fala uma coisa para o presidente, mas o Copom faz outra. Isso tem irritado Lula…
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio – E a todos nós.

ISTOÉ – IstoÉ ? E o câmbio?
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio – O câmbio está perigosamente baixo. Eu já falei há muito tempo que o dólar deve ficar em torno dos R$ 2,90. É importante um valor nessa ordem porque o Brasil está vivendo das exportações. Também é o ideal para o nosso grupo. Estamos exportando cerca de 25% daquilo que produzimos. Agora, de repente, você deixa de produzir porque o câmbio está muito baixo. Aí você desemprega. Você desativa.

ISTOÉ – IstoÉ ? Esse dólar abaixo dos R$ 2,90 já está prejudicando as exportações?
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio – A nós não tem prejudicado ainda, mas somos mais ou menos uma exceção. À grande maioria prejudica. A pessoa desanima, aí demite, fecha e aplica o dinheiro no mercado financeiro, que dá muito mais. Isso é um perigo.
A área financeira é uma ameaça.

ISTOÉ – IstoÉ ? E a questão da meta inflacionária para este ano, de 5,1%. Muita gente vê como estreita demais…
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio – E é estreita mesmo.

ISTOÉ – IstoÉ ? Para chegar nela, tem de aumentar superávit, manter juros altos…
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio – Manter os juros altos cria um elo de dependência com o lucro fácil. Eu acho que nós temos que lutar. Não sou contra banqueiro, não. Mas eles têm que lutar também. Eu acho que é preciso mudar essa política. Acho que juro alto nesse momento é muito prejudicial ao País. Não gera emprego. Cria exatamente a possibilidade de você ganhar dinheiro através de aplicações financeiras sem trabalhar. Isso é péssimo para o Brasil inteiro. Quem é que vai domar os juros? Quero ver. Trabalho há 55 anos e nunca vi juro cair (risos).

ISTOÉ – IstoÉ ? E a questão de infra-estrutura? Agora tem as PPPs…
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio – As PPPs acho que vão acontecer. Na minha opinião, o Brasil tem que crescer como Estado rodoviário. Rodovia e estrada de ferro. Talvez seja a base deste País, que é muito grande. O transporte é muito caro por causa da precariedade de nossas estradas.

ISTOÉ – IstoÉ ? E os portos?
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio – Também precisam de investimento. No que se refere ao transporte de madeira, aqui em Santos, demora dois dias para se arranjar um navio.

ISTOÉ – IstoÉ ? Voltando à inflação, o grande fantasma do governo: o presidente Lula chegou a falar em reduzir o Imposto de Importação para tentar segurar as taxas. O sr. acha que esse pode ser um caminho para conter os preços?
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio – Acho que os preços devem ser contidos, claro. Ninguém quer elevações absurdas dos preços, como aconteceu com o aço. Isso não pode acontecer num país civilizado como o nosso. Tá errado. Agora, se o País tivesse um programa industrial, um plano de metas como o do Juscelino. Pode-se dizer o que quiser do Juscelino, mas ele tinha metas e cada uma delas era para ser seguida. “Você vai produzir o que de aço?” É um negócio meio amorfo. Precisa cristalizar isso: “Nós vamos ter uma meta para esse segmento. Para quem quiser se habilitar, a meta é essa. Você tem que sair de sua cadeirinha e passar de 10 para 100. Na hora que você passar para 100, o governo vai lhe prestigiar.” Hoje, estamos ao deus-dará. É o governo que tem que determinar as metas, as prioridades.

ISTOÉ – IstoÉ ? Mas não é muita intervenção? Por que o empresário vai colocar seu dinheiro na produção se pode ganhar com os juros?
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio – Porque a rédea será curta e o arreio bem apertado (risos). Antigamente, quando você fazia malcriação, tomava uns tapas. Hoje não tem tapa. Em compensação, tem cada bicho ruim por aí (risos).

ISTOÉ – IstoÉ ? O sr. acha que isso deve partir do governo…
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio – O governo tem que ter gente competente para chegar e fazer um plano de metas e exigir que isso seja cumprido, em todas as áreas. O que eu sinto agora é que está faltando estrutura e coordenação. Cada um faz o que quer e ninguém se incomoda. Tem que exigir, mas para exigir tem que ter competência.

ISTOÉ – IstoÉ ? O ministro Furlan teria competência para fazer isso?
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio – Acho que tem.

ISTOÉ – IstoÉ ? Pelo que o sr. está falando, está faltando, além das metas, mais ação?
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio – E gente preparada.

ISTOÉ – IstoÉ ? A ascensão de Lula ao poder trouxe uma espécie de renovação ao poder?
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio – Pois é. Mas até agora, dois anos depois, estou meio decepcionado com ele no aspecto político. Não mudou nada. Tá uma briga entre eles. Muita gente quer sair do PT.

ISTOÉ – IstoÉ ? O poder fez mal ao PT?
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio – Fez mal. Não sou político, mas estou vendo muita gente saindo do PT, e com certa razão. Mas isso faz parte do jogo político.

ISTOÉ – IstoÉ ? E o governador Geraldo Alckmin? Ele está querendo ser candidato a presidente…
Antônio Ermírio de Moraes

Antônio Ermírio – Não sei. Acho que tem que ser uma pessoa conhecida. O Alckmin é tudo aquilo que você precisa num órgão público. Ele não sai por aí dizendo bobagens, trabalha em silêncio. São Paulo está sendo bem administrado. Por exemplo: a queixa dos pedágios nas estradas de São Paulo. É preciso compreender que elas são de longe as melhores rodovias do Brasil. Você quer ter estrada ruim, é questão de mentalidade, tudo bem…