03/04/2002 - 10:00
A cerimônia de entrega do 74º Oscar no domingo 24, acontecida no imponente e novíssimo Teatro Kodak, em Hollywood, vai ser lembrada como um autêntico divisor de águas. Pela primeira vez, se premiou dois atores negros – Denzel Washington e Halle Berry – com a estatueta de melhor ator e melhor atriz. Os dois dividiam as apostas, mas as evidências começaram a tomar corpo quando o veterano Sidney Poitier, até então o único ator negro premiado na categoria, há 38 anos, foi chamado ao palco para receber uma homenagem pelo conjunto da obra. Aí vieram as confirmações. Halle Berry, a sofrida viúva do drama anti-racista A última ceia, derrubou a favorita Nicole Kidman, de Moulin Rouge – amor em vermelho, e recebeu sua estatueta aos prantos. Na sequência, Denzel Washington também derrotou seus concorrentes ao ser reconhecido por sua interpretação de um policial corrupto em Dia de treinamento. Todo mundo dava como certa a vitória em bis do neozelandês Russell Crowe, que se contentou em comemorar o êxito de Uma mente brilhante como melhor filme ao lado do diretor Ron Howard, Oscar de melhor diretor, e Jennifer Connelly, melhor atriz coadjuvante. A cinebiografia do Prêmio Nobel de Economia John Nash ainda levou a estatueta de melhor roteiro adaptado, acumulando assim o maior número de premiações nobres e artísticas do evento cinematográfico número 1 do planeta.
Exceto a comoção gerada pelos Oscar de Halle e Washington, a noite não teve grandes surpresas. Até as estrelas não exageraram nos modelitos. Mas alguns momentos foram inesperados, como a intervenção do cineasta Woody Allen, que nunca havia ido a uma cerimônia. Ele abriu mão de seus shows de clarineta para apresentar uma colagem de filmes passados em Nova York, numa alusão ao atentado de 11 de setembro. Nada, porém, que derrubasse o clima morno, reflexo da qualidade mediana dos filmes em competição. Já era esperado que a saga fantástica O senhor dos anéis – a sociedade do anel, com 13 indicações, não sairia com um carregamento de ouro. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood nunca levou muito a sério filmes do gênero e a tradição se confirmou. O belo mas cansativo épico do neozelandês Peter Jackson só faturou as categorias técnicas – cinematografia, efeitos visuais, maquiagem e trilha sonora original, assinada por Howard Shore. O mesmo aconteceu com o extravagante musical Moulin Rouge – amor em vermelho, do australiano Baz Luhrmann. Só foi lembrado pela exuberância visual, refletido nas estatuetas de direção de arte e figurino.
Já passava da uma da madrugada no horário brasileiro, quando o ator Russell Crowe, barbado e com o cabelo desalinhado de sempre, quebrou o clima sonolento ao anunciar Halle Berry, 33 anos, como melhor atriz. Pega de surpresa, a ex-miss Ohio não se conteve, chorou copiosamente, riu em seguida e agradeceu a Deus e ao mundo num discurso que se estendeu por mais de cinco minutos. No calor da emoção, lembrou atrizes que a precederam, sem esquecer o diretor nova-iorquino Spike Lee,
que lhe deu o primeiro papel em Febre na
selva. “Agora a porta está aberta”, afirmou. Preocupada com o tempo excessivo de agradecimentos, ela pediu que “esperassem mais um pouco, foram só 74 anos”, referindo-se ao tempo em que atrizes como Angela Bassett, Diana Ross e Whoopi Goldberg tentaram levar para casa o cobiçado troféu. Denzel Washington, 47 anos e mais de 30 títulos no currículo, já havia sido premiado como ator coadjuvante pelo épico Tempo de glória, em 1989. Ao receber seu Oscar, ele foi bem mais frio, mas não menos elegante. Agradeceu ao pioneiro Sidney Poitier, dizendo que seguiu seus passos por 40 anos. E continuaria seguindo. Era o subtexto para sua noite de glória. “A primeira vez é mais excitante e surreal”, afirmou nos bastidores.
Hollywood poderia ter fechado a cerimônia com chave de ouro se tivesse reconhecido outro nome sempre esquecido, o do cineasta Robert Altman, que concorria como melhor diretor pela comédia dark Assassinato em Gosford Park. Sua ácida radiografia do relacionamento entre patrões e empregados, passada numa casa de campo, na Inglaterra dos anos 30, ficou apenas com o Oscar de melhor roteiro original. Altman acostumou-se a ser esnobado por Hollywood, mas quem deve estar amargando a maior decepção é o diretor francês Jean-Pierre Jeunet, de O fabuloso destino de Amélie Poulain. A fita francesa de maior sucesso dos últimos anos foi indicada a cinco categorias e era tida como vencedora na categoria de melhor filme em língua estrangeira. Perdeu para o bósnio Terra de ninguém.