Rita Lee já disse, na letra de Ôrra meu, que roqueiro brasileiro sempre teve cara de bandido. O multiinstrumentista e vocalista dos Titãs, Paulo Miklos, pode até se encaixar na definição. Mas só no visual, porque no convívio diário ele se mostra uma das pessoas mais afáveis que o rock tupiniquim já viu. O cineasta paulista Beto Brant, 37 anos, na verdade nem pensou neste aspecto quando fez o convite para o boa-praça Paulo Miklos interpretar o marginal Anísio, o melhor personagem de seu filme O invasor. “Não queria um ator, queria um alienígena”, diz Brant. E não se arrependeu. Miklos não só arrebatou a menção especial do júri para ator revelação
no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro como ainda levou o Prêmio
São Saruê de melhor momento do evento. Todos estavam cobertos
de razão. Apesar de o filme contar com as boas atuações de Marco Ricca, Alexandre Borges e Mariana Ximenes, quem rouba a cena é Paulo Miklos na pele do assassino frio, folgado e inteligente. Sua performance tem chamado tanta atenção nas sessões especiais em que O invasor
é exibido, que ele já recebeu um segundo convite, agora vindo da diretora Suzana Amaral, de A hora da estrela, para em breve filmar
uma história baseada no romance Hotel Atlântico, do escritor gaúcho João Gilberto Noll, sobre um ator desiludido. “Estou pronto para uma
nova aventura”, contou o novo artista das telas a ISTOÉ, no intervalo dos ensaios para a continuidade dos shows de seu segundo disco solo Vou ser feliz e já volto.

No papel de Anísio, quem vê o titã agir com tanta naturalidade nos gestos, na ginga e nas falas cifradas acha que ele mergulhou com a convicção de um russo no festejado método Stanislavski, que obriga o ator a buscar em suas experiências passadas os elementos para compor seu personagem. Nada disso. Logo na primeira prova de roupa, Miklos já foi brincando de Anísio. “Na verdade, eu sou meio dramático, gosto de performances no palco, de provocar a platéia. Sou um galã de araque, um Fábio Jr. de segunda mão”, brinca ele. De tão atrevido aceitou o convite de Brant achando que ele fosse lhe dar uma bula. O diretor sugeriu não mais que a leitura de Capão pecado, de Ferréz. No mais, Miklos apelou para a intuição e a ajuda primordial do rapper Sabotage, que também atua numa pequena e divertidíssima cena na qual o invasivo Anísio arranca um dinheiro de empreiteiros para a gravação do disco do amigo. Sabotage, conta o titã, estava no tráfico. Saiu desta armadilha sem sofrer represálias e hoje é visto como um artista na sua comunidade. Sua participação também chamou a atenção e já está filmando Carandiru, de Hector Babenco.

Trejeitos – Foram três ou quatro encontros de quatro horas cada um, nos quais os dois comentavam, mudavam o texto e acertavam trejeitos e expressões muito engraçadas. Algumas, de tão cruas, foram eliminadas para não soar vulgares ao espectador. Mas é a realidade da periferia paulistana. Na primeira leitura de mesa, como se diz no jargão artístico, Miklos ainda não se sentia totalmente seguro. Acabara de conhecer Marco Ricca e Alexandre Borges. “Eu estava com uma vertigem danada e quando vi a transformação na voz deles fiquei preocupado em como eu iria fazer. Mas entrei com a maior cara-de-pau e deu certo.” O atrevimento lhe garantiu certa confiança e ele se tornou a grande estrela do set de filmagens. “O Marco e o Alexandre me de ram o maior suporte. A Mariana me dava o toque para olhar no olho dela. Adorei fazer cinema, a vibração da equipe é semelhante à dinâmica do circo do rock’n’roll”, diz ele, tossindo sistematicamente por causa do maço diário de cigarro.

O hábito de fumar parece não importar muito. Aos 43 anos, este paulistano que é a usina sonora dos Titãs iniciou uma nova fase na sua vida artística. Acelerado, gesticula entusiasmado, exalando toda a energia do momento especial. Sem o glamour que a carreira poderia lhe conferir, pede uma camiseta emprestada para as fotos, deixando ver a tatuagem de um bisão no braço direito. Não é um animal comum. “É das cavernas da Espanha”, avisa, para contar que o desenho foi inspirado na imagem feita por um homem pré-histórico, faminto. Criativo, Miklos nunca deixou de lado suas alquimias musicais elaboradas num estúdio caseiro. É de lá que saem muitas das experiências testadas pelos Titãs. No final dos anos 80, por exemplo, ele teve a paciência de amarrar o braço de um toca-discos sobre um LP de Villa-Lobos para ficar repetindo determinado trecho e sentir o resultado. É o que hoje os bruxos dos computadores chamariam de looping, mas não numa época em que as tramas eletrônicas praticamente se resumiam aos alemães do Kraftwerk e aos ingleses do Cabaret Voltaire. “Nos dois últimos anos, mexi muito com sampler. O Dudu Marote (produtor) foi me mostrando qual a respiração da música eletrônica.”

No momento, Miklos brinca com um Pro Tools, aparelho que possibilita gravar e editar. “Comecei a compor no computador, é um exercício muito criativo, mas é um perigo. Preciso voltar para o violão.” Paralelamente aos Titãs, Miklos tem levado a sério seus projetos solos. Vou ser feliz e já volto, um álbum cheio de baladas e rocks, com peso na concepção e leveza na poesia, faz parte do projeto que caminha em paz junto à excursão do novo disco titânico, o divertido A melhor banda de todos os tempos da última semana. Casado há duas décadas com Rachel, pai de Manoela, 18 anos, Paulo Miklos nem hesita – ainda mais agora – em responder quanto tempo demorou para ser feliz e voltar: “Rapidinho.”