17/07/2002 - 10:00
Uma descoberta de paleontólogos cariocas pode mudar a compreensão da ciência sobre os pterossauros, répteis alados que habitaram a Terra com os dinossauros, seus primos, entre 225 milhões e 65 milhões de anos atrás. Batizado de Thalassodromeus sethi, que em grego significa corredor dos mares, o fóssil do crânio e da mandíbula encontrado em Santana do Cariri, na Bacia do Araripe, sul do Ceará, possui uma gigantesca crista óssea, que servia de regulador térmico. A crista é coberta por canais de irrigação, que seriam vestígios dos vasos sanguíneos e comprovariam a tese de que esses animais tinham sangue quente.
O que mais deve fascinar os visitantes do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, é a reprodução do
crânio de 1,4 m adornado pela formidável crista. O esqueleto do animal, com asas de 4,5 m de envergadura, foi reconstruído a partir de pterossauros disponíveis no acervo do museu. Não foram os belos olhos do Thalassodromeus que mobilizaram a renomada revista americana Science a publicar, na semana passada, um artigo sobre a nova espécie, assinado pelos responsáveis pela descoberta, os paleontólogos Alexander Kellner, do Museu Nacional, e Diógenes de Almeida Campos, do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).
O réptil usava o bico sem dentes e em forma de tesoura de maneira inédita. Em vez de mergulhar em busca de peixes, ele flutuaria de bico aberto sobre a água até encontrar a presa. Os cientistas chegaram a essa conclusão após comparar seus hábitos com os do talha-mar, uma ave aquática da atualidade. “As idéias são muitas, mas as espécies que permitem comprovar hipóteses científicas são raras”, observa Kellner.
O mais inacreditável é que esse crânio foi entregue a Diógenes Campos em 1983 por um morador de Santana do Cariri. Por falta de recursos, ele ficou guardado até o ano passado, quando a Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj) liberou R$ 26 mil para novos estudos. Parte da verba foi destinada à preparação do fóssil, delicado trabalho de separar o crânio e a crista das rochas que os envolviam. Agora os pesquisadores devem investigar os aspectos aerodinâmicos do réptil e a interferência do vento na velocidade do vôo.
A Bacia do Araripe é uma mina de ouro para o estudo da pré-história brasileira. Em outubro, Kellner travou uma disputa com a comunidade local, que anunciou o achado de um suposto ovo de pterossauro no município de Jardim. O cientista tentou levar o fóssil para analisar em seu laboratório, no Rio, mas foi impedido por Álvares Coutinho Júnior, fundador do museu de história natural de Jardim. “Os pesquisadores de fora chegam aqui, levam os fósseis, fazem a pesquisa, publicam, ganham fama e nós não temos participação nenhuma”, justifica Coutinho Júnior.
As asas dos pterossauros eram formadas por uma membrana sustentada pelo que seria seu quarto dedo. A descoberta do corredor dos mares, que devia pesar 40 quilos, esquenta a polêmica sobre a ligação entre os dinossauros e as aves. Na quinta-feira 18, o Museu de História Natural de Londres jogou mais lenha nessa fogueira ao inaugurar uma exposição, que vai até maio de 2003, com os principais fósseis de dinossauros alados, cujas penas serviriam para protegê-los dos raios solares. Depois de tanto tempo, os dinossauros e seus parentes continuam dando pano para a manga.
Colaboraram: Alessandra Araújo e José Leomar (CE)