17/07/2002 - 10:00
Desde que se entende por gente, o ser humano sonha com a eternidade. Há cinco mil anos, os egípcios criaram técnicas de embalsamamento para mumificar seus mortos e os enclausurar em pirâmides, com suas riquezas, apostando na existência de outra vida no vale das almas. Com o passar dos séculos e os avanços da ciência, a certeza da finitude não mudou, assim como permanece atual
o desejo humano de brincar de Deus. Há 30 anos, uma empresa americana inventou a versão futurista das múmias egípcias, a suspensão criogênica. O nome deriva da criogenia, parte da física que estuda os condutores de energia em baixa temperatura.
A idéia é manter o corpo no freezer para ressuscitá-lo no futuro,
quando a medicina descobrir a cura do mal que lhe tirou a vida. O descongelamento nunca foi testado em humanos e não há garantia de que vá funcionar. Mesmo assim, só nos Estados Unidos, cerca de
130 cadáveres estão guardados em cápsulas de aço, de cabeça
para baixo e imersos em nitrogênio, a uma temperatura de -196o C. Outras mil pessoas estão na lista de espera e se dispõem a ser congeladas logo que morrerem.
O sonho de ser preservado para ressuscitar no futuro é o elo em comum entre o desenhista Walt Disney, o ator Peter Sellers, o boxeador Muhammad Ali e o lendário jogador de beisebol Ted Williams, morto na sexta-feira 5. O único dessa galeria a realizar seu desejo deve ser Williams, cujo corpo será congelado pela empresa Alcor, embora esteja em curso uma polêmica familiar sobre o seu destino, uma vez que a vontade do jogador foi verbalizada aos amigos e filhos, mas não está expressa em seu testamento.
Um único brasileiro está cadastrado na Alcor. O dermatologista paulista Valcenir Bedin, 47 anos, pagou US$ 150 de inscrição e fez um seguro de vida no valor de US$ 120 mil, que tem a companhia americana como beneficiária. “Logo mais as pessoas se perguntarão por que devem morrer se podem se manter vivas”, diz o médico. Os interessados podem optar por preservar só a cabeça, ou então o corpo inteiro, que custa entre US$ 28 mil e a bagatela de US$ 120 mil. Manter o cérebro no freezer sai por US$ 50 mil, mais taxa de transporte de US$ 20 mil, mas o seu descongelamento exigirá que a medicina já tenha descoberto uma forma de fundir a coluna vertebral à cabeça, o que os mais otimistas imaginam ser possível dentro de 100 anos. O cadáver precisa ser congelado logo após a morte cerebral. O sangue todo é retirado e em seu lugar se injetam líquidos conservantes e anticongelantes, como glicerina ou formol com cânfora, que ajudam a preservar o corpo até sua imersão no nitrogênio líquido. Três ou quatro corpos dividem uma única cápsula, que prescinde de eletricidade, pois utiliza o mesmo princípio das garrafas térmicas. “Congela-se a morte e não a vida. As células se encontram sem nenhuma coesão, uma sociedade anárquica onde não se trabalha pelo conjunto, pela vida”, adverte o médico e físico Carlos Delmonte Printes, da Universidade de São Paulo. “Além disso, por que desejar a imortalidade? É o incorrigível antropocentrismo do ser humano”, filosofa Delmonte.