Em meio à luta contra o crime organizado no Brasil, a proteção às testemunhas é citada pelos especialistas como uma das principais providências para desmontar as quadrilhas. As informações extraídas dos depoimentos podem ajudar a surpreender os bandidos e atacá-los em seus pontos fracos. Mas, a julgar pela situação de Wagner dos Santos, 30 anos, que viu e denunciou um dos crimes de maior repercussão no País e no Exterior, a chacina da Candelária – em que seis policiais mataram a tiros oito garotos de rua –, o Programa de Proteção à Testemunha do governo federal simplesmente não existe. Depois de apontar os matadores, Wagner acabou levado para a Suíça pela ONG Viva Rio, ganhou um emprego e não recebeu mais ajuda. Teve dificuldade de adaptação ao clima e à língua. Passou por cinco empregos e atualmente trabalha em Genebra como eletricista. Vítima de paralisia facial causada por uma bala alojada na coluna, Wagner sofre com as sequelas da chacina. “Sinto fortes dores na cabeça, no ouvido e na garganta e não tenho dinheiro para o tratamento”, lamentou a ISTOÉ, por telefone. Na terça-feira 23, uma passeata no centro do Rio vai marcar os nove anos da chacina da Candelária. Apenas três dos policiais acusados foram condenados.

Em agosto do ano passado, Wagner veio ao Brasil para uma cirurgia no músculo do pescoço, que seria custeada pelo governo estadual. Até hoje, o médico Paulo Carvalho não recebeu. A testemunha precisa ser operada novamente, mas não tem de onde tirar o dinheiro. O que ganha com eletricista e os dois salários mínimos que recebe como ajuda do governo do Rio não são suficientes para custear os remédios contra a dor e a depressão. “Tenho pesadelos, acordo no meio da noite assustado, com a impressão de que vou ser assassinado”, conta. Wagner diz já ter pensado em suicídio pelo menos duas vezes. Para a advogada Cristina Leonardo, da ONG Centro Brasileiro de Defesa da Criança e do Adolescente, o caso mostra como se sente indefeso qualquer brasileiro que queira dar seu testemunho contra algum bandido. “Seriam necessárias garantias para a testemunha continuar morando em seu próprio país, como mudança de identidade e tratamento de saúde”, defende. Para Cristina, um dos maiores erros é o fato de o governo ter passado a coordenação do programa às organizações não-governamentais.

Wagner dos Santos mora num apartamento de sala e quarto e tenta esquecer suas mazelas tocando pagode com alguns brasileiros que estão na Suíça. “Não são meus amigos, são conhecidos”, ressalva. Apesar de todas as dificuldades, diz que fez o que acreditava ser o certo. “Temos de defender a vida.” Sua maneira mais frequente de contato com o Brasil são as conversas por telefone com as três irmãs que moram no Rio. Nos planos para o futuro, não pensa em voltar ao País e não quer ter filhos. “Sou um negro pobre que apanhou muito. Não quero que eles sofram o que eu sofri”, desabafa.