Observe alguns movimentos recentes. Há dez dias, o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, partiu para uma série de conversas em Washington e Nova York com dirigentes do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do governo americano – inclusive o principal conselheiro econômico do presidente George Bush, Lawrence Lindsey. Na quinta-feira 18, o mesmo Lindsey se reuniu com o presidente do PT, deputado José Dirceu (leia à pág. 27). Na volta de sua viagem aos Estados Unidos, Fraga imediatamente agendou encontros com representantes de cada um dos candidatos com chances de vitória na disputa presidencial. Nos próximos 30 dias, o secretário do Tesouro americano, Paul O’Neill, virá ao Brasil para conhecer melhor a situação da economia brasileira. Nesta semana, chega ao País a vice-diretora-gerente do FMI, Anne Krueger. A pretexto de participar de um seminário já marcado, ela conversará com autoridades brasileiras.

Todos esses lances fazem parte de um mesmo enredo: o esforço de construir as condições para um acordo com o Fundo, se possível, antes do primeiro turno das eleições, a fim de acalmar o mercado financeiro durante a transição para o novo governo. A idéia é arrancar dos candidatos um consenso sobre as principais metas e políticas econômicas básicas exigidas pelo FMI para fechar um novo programa, que incluiria aporte extra de recursos. No mês passado, o País sacou US$ 10 bilhões relativos ao programa atual com o fundo, que expira em dezembro. É praticamente todo o dinheiro disponível. Resta apenas mais uma parcela, de pouco menos de US$ 1 bilhão, a ser liberada no final de setembro.

Compromissos – A empreitada, que tem em sua linha de frente Fraga e o ministro da Fazenda, Pedro Malan, é difícil de ser cumprida. A lista de “compromissos críveis públicos” necessários para alinhavar um acordo exigirá dos candidatos um certo comprometimento com a atual política econômica. Além de aspectos já consensuais, como o controle da inflação e o respeito a contratos internos e externos, entram na lista do ministro da Fazenda, por exemplo, o resultado positivo nas contas do governo de pelo menos 3,75% do PIB, algo na casa de R$ 48 bilhões (isso se o Fundo, dada a crise, não exigir um esforço maior), câmbio flutuante e independência do Banco Central com mandatos para os diretores. “O problema é que um acordo antecipado com o FMI embute a clara preocupação do eixo Wall Street-Washington de produzir um continuísmo forçado entre o atual governo e o próximo”, avalia o economista Paulo Nogueira Batista Júnior.Na quarta-feira 17, quando voltou a cobrar dos candidatos engajamento na iniciativa de acalmar o mercado, Malan acrescentou mais itens à lista. Agora, o ministro acha conveniente que os candidatos prometam respeitar o acordo que renegociou a dívida dos Estados e municípios e exponham mais claramente como pretendem conduzir as intervenções no mercado de câmbio. “Parecem detalhes desnecessários, mas não são no momento que estamos vivendo”, argumenta. Quem conhece a costura de acordos com o FMI sabe que a instituição sempre busca salvaguardas para impedir que governos torrem os empréstimos no controle da taxa de câmbio. Uma nova renegociação da dívida dos Estados, como acenou o candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva, colocaria em risco as metas fiscais. O governo não desperdiça esforços. Na quarta-feira 17, Fraga encontrou-se com o presidente do PSDB, deputado José Aníbal (SP). Na quinta-feira 18, foi a vez do deputado-economista Aloizio Mercadante (PT-SP), um dos coordenadores da campanha de Lula. O encontro com Ciro Gomes é certo, faltando apenas ser agendado. Garotinho, na lanterna das pesquisas eleitorais, não foi convidado apesar de todos os recados que mandou pela imprensa sobre seu interesse em conversar. Aníbal e Mercadante saíram do BC desconversando. “Falamos sobre governabilidade. Um acordo de transição só poderia acontecer entre a eleição definitiva de um candidato e sua posse”, disse o presidente do PSDB. “Fraga informou que não há negociação em curso, mas ele não descarta essa hipótese no futuro. Nós, do PT, achamos que o FMI é uma UTI e queremos lutar para sair dela”, disse Mercadante. Mas a explicação do ministro da Fazenda para os encontros não deixa dúvidas: “O objetivo é avaliar a extensão do grau de comprometimento crível dos diferentes candidatos com algumas idéias básicas, sem as quais uma negociação com o FMI dificilmente pode prosperar.” Além disso, dentro do PT a necessidade de um acordo de transição é dada como favas contadas. “A crise está brava. Estamos caminhando para um acordo com o FMI. A transição tem que começar agora”, declarou José Dirceu na véspera de embarcar para o encontro com o assessor econômico de Bush. “Não estamos à beira de um colapso, mas a trajetória é perigosa”, disse Paulo Nogueira Batista Júnior.

Pressão – Há dois meses, o quadro econômico só se agrava. “O mundo real está pior do que mostram os indicadores”, afirma o industrial Mario Bernardini, diretor da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Todas as previsões de crescimento feitas no início do ano já foram revistas para baixo. Agora, ninguém mais acredita que 2002 terá uma expansão superior a 1,5% ou 2%. Tanta má notícia vem atingindo em cheio o candidato tucano que ele fez muita pressão para que a taxa de juros fosse reduzida. O Banco Central encontrou espaço para a queda com a ampliação das metas de inflação para o próximo ano (leia ao lado). Quando José Serra chegou a seu comitê em Brasília, no início da tarde de quarta-feira, foi recebido por cabos eleitorais que gritavam: “Abaixo os juros, Serra é o futuro.” O corte nos juros tem o efeito adicional de reduzir o peso da correção da dívida pública.

A busca de um acordo com o FMI surge diante da avaliação de que é preciso um fato novo para reverter a crise de confiança. “Hoje, o superávit fiscal é apenas justo. Defendo um choque de austeridade fiscal: elevar o superávit a 5% do PIB. Há onde cortar e dá para fazer isso sem custo social”, afirma o ex-diretor do Banco Central Sérgio Werlang. Na avaliação do economista, hoje diretor do Banco Itaú, só assim seria possível promover um corte maior na taxa de juros e abrir espaço para a expansão da economia no ano que vem. Uma expansão que só será possível com a expectativa de que, em 2003, também as contas públicas estarão sob controle. E é para trabalhar essa expectativa que o governo tenta antecipar a discussão do acordo. Ou, na linguagem sempre cifrada do ministro Malan: “É possível que o que nós inexoravelmente discutiríamos na transição, nos meses de novembro e dezembro, seja discutido antes. Por que não?”

Colaborou João Paulo Nucci

Corte de olho nas urnas

No mês passado, os juros foram mantidos em 18,5% pela terceira vez consecutiva. O dólar, que andava na casa dos R$ 2,70, e a escalada do risco-país serviram, naquele momento, de justificativa para a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom). Na quarta-feira 17, o mesmo comitê resolveu cortar a taxa em 0,5 ponto porcentual. O dólar, registre-se, beirava os R$ 2,90 e o risco-país andava pelo mesmo patamar de um mês atrás. A incoerência garantiu à decisão, tomada um dia após Ciro Gomes (PPS) assumir o segundo lugar na corrida presidencial, o carimbo de eleitoreira.

O que era para ser comemorado pelo mercado e, principalmente, pelo setor produtivo acabou se tornando alvo de especulações. Todas desmentidas com veemência pelo governo, a começar pelo ministro da Fazenda, Pedro Malan. “Ao longo dos últimos oito, nove anos, nunca houve pressão política sobre o Banco Central (BC)”, disse Malan. Na nota em que justifica a decisão, o BC afirmou que confia “na manutenção, no futuro, de um arcabouço macroeconômico responsável”. Outra justificativa apontada pela entidade é a previsão de inflação para 2003, que se encontra abaixo da meta estabelecida.
Uma folga permitida pelo alargamento da meta, que de 3,25% subiu para 4%, com margem de flutuação de 2,5% para cima ou para baixo.

Normalmente apegado às reduções das taxas de juros, o
mercado ignorou o sinal de confiança na economia do Copom.
O dólar fechou o dia a R$ 2,897 – a segunda maior cotação da história do real – e só foi ceder no dia seguinte, com o governo se aproximando do Fundo Monetário Internacional (FMI). A Bolsa subiu na quarta-feira, mas os analistas dizem que grande parte da alta foi impulsionada principalmente pelo negócio entre a Companhia Siderúrgica Nacional e a Corus.