O PT enviou seu presidente nacional, o deputado José Dirceu, num périplo americano para tentar acalmar agentes financeiros, empresários, imprensa e políticos temerosos de uma possível vitória do candidato Luiz Inácio Lula da Silva nas próximas eleições. Uma iniciativa que buscava também contornar a crise econômica que tal suposição provocou no Brasil. Teria sido melhor que enviassem Tom Cruise, pois esta parece ser uma missão impossível. Dirceu, diga-se, cumpriu a tarefa com brilho, merecendo elogios de seus interlocutores e um inédito encontro com Laurence Lindsey, o principal assessor
econômico do presidente George W. Bush. Teria tido também bate-papos sigilosos com gente do Departamento de Estado e um assessor da poderosa conselheira de Segurança Nacional, Condollezza Rice. Nada mal para alguém que nos anos 60 foi tirado da prisão em troca de um sequestrado embaixador americano. E mais: até então a Casa Branca não havia recebido nenhum enviado de presidenciáveis brasileiros. A tour de force do emissário do PT, porém, não foi capaz de tirar uma única fração dos 1.500 pontos de taxa de risco a que o País foi classificado. Boa vontade e diplomacia nem sempre conseguem acabar com irracionalidades, ignorâncias, ganâncias e desonestidade.

Dirceu convidou investidores e credores americanos para dançar, mesmo sabendo que seus passos seguiriam o ritmo errático de um “samba do gringo doido”. E a letra da canção submeteu os ouvidos do presidente do PT a um besteirol de tirar o fôlego. Exemplo: na visita ao Oppenheimer Fund, um poderoso fundo de investimentos, lhe foi dito que “nós não estamos preocupados com a argentinização do Brasil, mas sim de a Argentina se transformar num novo Brasil”. Tradução: o Oppenheimer estaria temeroso de que a sociedade argentina piorasse tanto com a crise, que acabaria se transformando no inferno que é o Brasil. A análise é no mínimo ignorante e, desconfia-se, pode ser desonesta. Compara uma economia amplamente diversificada, com um parque industrial muito mais sofisticado, movimentos financeiros milhares de vezes mais volumosos, recursos naturais e humanos superiores e outros indicativos econômicos superlativos, com outra economia que é menor do que a do Rio Grande do Sul. Educadamente, José Dirceu lembrou a seu interlocutor – pela milionésima vez – que se estava comparando alhos com bugalhos.

Na verdade, até mesmo a comparação entre Brasil e Argentina é história velha e esteve na raiz do aumento da taxa de risco brasileira”, diz o economista americano Arnold Jacobbs, do Centro de Estudos Latino-Americanos de Nova York. “A idéia, ficaria comprovado depois, não se sustentaria. Era preciso imaginar outra justificativa. Por que com o aumento da taxa de risco é possível dar continuidade ao terrorismo econômico que tem gerado imensos lucros para os investidores. Foi assim que se criou o bicho-papão Presidente Lula”, diz Jacobbs. Ou seja: Lula substituiu a Argentina no esquema de sangramento econômico a que o País vem sendo exposto. E José Dirceu sabe disso. Não admite abertamente, preferindo ir a público com críticas ao governo. “Ter dito que o Brasil pode se transformar numa Argentina foi um erro gravíssimo de Serra e estamos pagando por isso com estes 1.500 pontos de taxa de risco”, disse em entrevista coletiva. Justificou também a perda de confiabilidade do País com os erros do governo. “As pesquisas indicam que 50% dos brasileiros acham que o presidente Fernando Henrique é o culpado pela crise que está aí. A taxa de risco aumentou não foi por causa do Lula. Um país onde, só para citar um exemplo, a dívida interna consome 54% do PIB, terá de enfrentar o medo dos investidores”, disse Dirceu. Mas em conversa com ISTOÉ, o deputado concordou que nem mesmo os erros do governo são capazes de dar a megadimensão desta crise. “Há uma clara manobra especulativa por trás dessa situação.”

A teoria que parece melhor explicar esta crise é uma unanimidade entre os analistas econômicos ouvidos por ISTOÉ, e tem a concordância, pelo menos implícita, do presidente do PT. Nela figura a pirataria financeira. O enredo tem como ponto de partida o estouro da bolha especulativa do final dos anos 90 nos EUA. Queimados com as perdas de investimentos feitos naquela que foi chamada pelo presidente do Banco Central americano, Alan Greenspan, de “exuberância irracional”, alguns agentes financeiros foram buscar recuperação em outras paragens. Era preciso diminuir os prejuízos em outros mercados. Criou-se dessa forma o mito da taxa de risco do Brasil. Primeiro com a Argentina, depois com Lula.

Quem for buscar nas análises da agência de classificação de risco Standard & Poor’s os motivos do rebaixamento da dívida soberana do País não encontrará pérolas do racionalismo. Na sexta-feira 12, a diretora de riscos soberanos da América Latina, Janes Eddy, disse que sua empresa não prevê um calote da dívida pelo governo. “Se estivéssemos pensando que o Brasil está próximo do não pagamento da dívida, sua classificação seria CC e não BB”, disse Eddy. Mesmo assim, a agência manteve o País sob a classificação “perspectiva negativa”. Janes justificou esta condição pelo grande volume da dívida de empresas brasileiras, que neste ano terão de refinanciar entre US$ 12 bilhões e US$ 14 bilhões. Mas lembrou que o País tem um sistema bancário sólido e o governo terá capacidade de superar a crise. Por que a classificação BB? “É decorrência do temor dos investidores a uma possível vitória de Lula”, disse.

ISTOÉ conversou com um dos analistas da Standard & Poor’s, que com medo de represálias pediu o anonimato. Ele diz que não há justificativas para que seus empregadores tenham colocado o Brasil abaixo da Nigéria e da Colômbia na classificação de risco. “Esta classificação ocorreu num momento em que a Nigéria enfrenta um movimento guerrilheiro muçulmano; corrupção endêmica de suas instituições; um sistema bancário precário; revoltas populares com saques generalizados – inclusive o roubo de gasolina diretamente dos oleodutos, o que frequentemente provoca explosões e calamidades. E mais: o país não tem uma Bolsa de Valores como o Brasil e, segundo o FBI, a Nigéria encabeça a lista de fraudes financeiras. Assim, quem iria investir com segurança num lugar desses? Quanto à Colômbia, como justificar que o risco do país seja menor do que o do Brasil quando mais de um terço de seu território nem sequer é governado por Bogotá e pertence a três movimentos guerrilheiros fortes e com vínculos claros com o narcotráfico? Aliás, quase todos os negócios na Colômbia têm – de uma forma direta ou indireta – injeções de capital do narcotráfico. Você investiria nesse país?”, disse a fonte da Standard & Poor’s.

O presidente do PT sabe disso. Sabe também que o megaespeculador George Soros, ex-patrão do presidente do Banco Central, Armínio Fraga, foi aos jornais brasileiros dizer que “ou Serra ganha a eleição ou será o caos”. Baseado em que Soros fez essa análise? José Dirceu e seu partido vêm batendo na tecla de que vão respeitar acordos. Por que Lula seria tão perigoso? “Lula é de um partido socialista? Mas os EUA fazem negócios com comunistas do Vietnã e investem grandes fortunas na China, que é o mais antigo regime comunista do mundo. Lembre-se que a Bolsa de Hong Kong está em território comunista e nem por isso deixa de ser porto seguro para o capital americano”, diz Arnold Jacobbs. “O que nos resta é esclarecer a credores e investidores que o PT é o partido que mais saneou as finanças de municípios falidos; que a prefeita de São Paulo limpou a casa; que nós somos famosos por combater a corrupção; que fizemos uma aliança com o empresariado; e o Lula tem um vice na chapa que é empresário. Em todas as nossas visitas, seja no Morgan Stanley, no Lehman Brothers, na Alcoa, e mesmo na Casa Branca, parece que estamos tendo boa receptividade. Vamos ver se afastamos qualquer dúvida sobre nossas intenções de governo”, disse Dirceu. Perguntado sobre a possibilidade de os vários candidatos subirem juntos num palanque eletrônico para tentar acalmar os investidores, Dirceu desconversou: “O Ciro não toparia.” Poderia ter acrescentado que, mesmo se Ciro topasse, os especuladores não se impressionariam. Afinal, estão ganhando muito dinheiro com o espantalho Lula.