17/07/2002 - 10:00
Treze anos se passaram desde que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) perdeu a sua primeira eleição presidencial. A derrota para Fernando Collor no segundo turno, por apenas 6% de diferença, aconteceu depois de uma campanha na qual o ex-torneiro mecânico de 44 anos foi apresentado pelos adversários, pelas elites e por boa parte da mídia como o bicho-papão. Foi o maior trauma de Lula. Traumas, como se sabe, são difíceis de vencer. Esse está longe de ser superado. O tempo passou, o Brasil, Lula e o PT mudaram, mas a lógica da disputa pelo poder continua a mesma. Nas campanhas de 1994 e de 1998, Fernando Henrique Cardoso venceu fácil, no primeiro turno, graças ao Plano Real, sem precisar de outras armas. Aos 56 anos, mesmo sendo hoje um moderado e amadurecido político de centro-esquerda, e não mais o radical socialista do passado, Lula começa a sentir os primeiros sinais de que vai enfrentar neste ano uma espécie de clone da eleição de 1989, com o chamado establishment unindo-se novamente contra ele. Ainda não se sabe quem vai conseguir ganhar definitivamente o posto de segundo lugar na disputa: no paredão do Big Brother eleitoral estão Ciro Gomes (PPS), por enquanto o favorito, e José Serra (PSDB).
Durante sua primeira grande viagem de campanha – que começou na segunda-feira 15, pelo Nordeste, com o tema do desenvolvimento regional –, Lula advertiu que vão tentar demonizá-lo novamente e fez várias referências à campanha de 1989. “Em 1989, o povo preferiu votar no anti-Lula. É como se fosse o anticristo. Aliás, vi na capa da revista Veja a foto de Serra e Ciro, com a pergunta: ‘Quem será o anti-Lula?’ Começa o processo de indução. Tentaram fazer terrorismo com a questão da economia, mas não deu certo. Em vez de procurarem o anti-Lula, é melhor o eleitor procurar o pró-Brasil”, advertiu ele na terça-feira 16, durante almoço com 200 empresários paraibanos. Mas o candidato petista vem afirmando em público que não acredita na eficácia da estratégia desta vez: “Quem fizer campanha anti-Lula vai perder.” A viagem que começou em Fortaleza (CE), João Pessoa (PB), Recife (PE) e Aracaju (SE) foi considerada pelos petistas um sucesso, com grandes carreatas e comícios, além de farta exposição do candidato nas tevês e rádios locais. Foi em Fortaleza que Lula deu a senha de qual será o mote de uma eventual batalha no segundo turno contra o ex-governador do Estado: mostrar que Ciro, apesar do discurso ferino contra FHC, não é tão oposição quanto parece. “Eu sou o único candidato que não precisa colocar rótulo de oposição na testa. Até quem não gosta do PT sabe que somos oposição”, disse Lula, lembrando que 70% dos eleitores querem mudança de poder, de acordo com as pesquisas. Na avaliação do QG de Lula, o segundo turno será difícil contra qualquer um, mas há quem ache que Ciro, por ter carisma e também jogar com o ingrediente emocional, possa ser mais perigoso. O próprio Lula reconheceu a contribuição da atriz Patricia Pillar, mulher de Ciro, no crescimento da candidatura do candidato do PPS.
Mulheres na rua – Um dos pontos fracos da campanha de Lula está justamente no eleitorado feminino, onde ele tem menos força. Para rebater o efeito Patricia Pillar e Rita Camata (vice de Serra), os petistas decidiram colocar a tropa feminina na rua, comandada por duas Marisas, uma Marta e uma Benedita. Marisa Letícia da Silva, 52 anos, já começou a acompanhar Lula em suas viagens. Assim como o marido, Marisa está atenta ao visual e vem recebendo elogios por onde passa. Magra, com sua elegância discreta e os cabelos louros muito bem cortados, Marisa é apresentada por Lula em todos os comícios. “Esta é a minha cara-metade, a minha companheira com quem estou casado há 28 anos”, repete o maridão nos palanques. Por coincidência, a mulher do empresário e senador pelo PL José Alencar, vice de Lula, também se chama Marisa da Silva. As duas Marisas foram escaladas para participar de reuniões com mulheres. “Mas não com mulheres do PT. Temos que nos reunir com mulheres de outros segmentos. Elas vão ver que não somos dondocas, somos mulheres comuns, e vamos debater os problemas que todas nós enfrentamos no dia-a-dia”, explicou Marisa, de Lula. As duas principais políticas do PT também vão entrar em cena: a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, e a governadora do Rio de Janeiro, Benedita da Silva.
Aconselhado pelo mago Duda Mendonça, Lula não fala mal dos outros. Ele assiste de camarote aos concorrentes se engalfinharem. Mas Lula, Alencar e até Marisa não conseguiram segurar o riso quando um jornalista perguntou a Lula o que ele achava da frase de Serra: “Ciro é o genérico de Collor.” “Quem disse isso foi o Serra”, ressaltou. No máximo o petista lança indiretas: “Como eles são frutos da mesma árvore, eles se conhecem melhor do que eu os conheço”, referindo-se ao fato de que Ciro já foi tucano. Em campanha é praticamente impossível não dar ao menos uma alfinetada no concorrente. Foi o que aconteceu durante comício no Recife, na quarta-feira 17: “Esta campanha terá mais mídia do que as outras. O fato de o governo ter candidato fraco faz com que marquem o máximo possível de debates para tentar inventar um candidato”, disse Lula.
Numerologia – Numa campanha em que o tom emocional é a palavra de ordem, Lula apela até para o misticismo. Ele vem repetindo incansavelmente nos palanques as coincidências numéricas que
o fazem acreditar que o destino desta vez está a seu favor. Para sorte de Lula, as datas do primeiro e do segundo turno das eleições foram marcadas para 6 e 27 de outubro. “Meu padrinho registrou meu nascimento como sendo no dia 6 de outubro, mas minha mãe sempre me garantiu que foi no dia 27. Quem esquecer de me dar o presente de aniversário no dia 6, pode me presentear no dia 27”, conta. A outra coincidência é com o 13, número do PT e de Lula na cédula eleitoral, geralmente identificado com o azar. Para Lula, é sinal de sorte. Durante 13 dias ele e sua família viajaram de pau-de-arara de Garanhuns (PE) a São Paulo, fugindo da miséria, em 1952. Pouco antes disso, sua mãe, Dona Lindu, havia vendido o pedaço de terra que tinha por 13 mil cruzeiros. Quem sabe pela superstição Lula consiga espantar o fantasma que o persegue há 13 anos.
A dupla Lula e Alencar está fazendo sucesso por onde anda. Quem apostou no conflito entre o capital e o trabalho, o operário e o patrão, perdeu. Pelo menos até agora, Lula e seu vice, o senador José Alencar (PL) estão em lua-de-mel. Nos discursos de campanha, os dois se elogiam o tempo todo. Cada um a seu jeito, é claro: Lula o tratando como “companheiro Alencar” e o senador chamando Lula de “homem de bem”. O entrosamento é tanto que já brincaram com Marisa Letícia da Silva, mulher de Lula: “Daqui a pouco você vai ficar com ciúme.” Mas ela ri e diz que também está feliz com o vice do marido e com a sua xará, Marisa da Silva, mulher de Alencar: “Gostei muito dela também.” As coincidências entre os dois não se limitam ao nome das respectivas mulheres. Ambos tiveram origem humilde e não têm curso superior. Os dois vieram de baixo e venceram.
“Em nenhuma outra campanha o Lula teve uma relação tão boa com um vice. O Brizola, por exemplo, infernizava a vida do Lula e a gente tinha que apagar incêndio o tempo todo”, contou, aliviado, um colaborador próximo de Lula. Em 1989, Lula teve como vice José Paulo Bisol, que também ocupou o posto até meados da campanha de 1994. Foi substituído por Aloízio Mercadante naquela campanha e em 1998 foi a vez de Leonel Brizola. “O senador, apesar de ser um homem rico, não reclama de nada, não pede nada, anda só com um assessor, na maior simplicidade”, completou o integrante do QG de Lula. Ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas e dono de uma das maiores indústrias do País, o grupo de tecelagem Coteminas, com seus 16 mil empregados espalhados em 11 empresas pelo País, Alencar, 70 anos, tem um patrimônio de cerca de R$ 1 bilhão. Com seu jeitinho mineiro, tranquilo, conciliador, Alencar vem conquistando até os mais raivosos militantes petistas. Num comício no Recife, na quarta-feira 17, Alencar deixou os petistas de queixo caído ao justificar o casamento de seu PL com o PT de Lula. Repetiu uma famosa frase dita por um comunista chinês, o estadista Deng Xiaoping, que encabeçou a abertura econômica da China e enfrentou protestos dos radicais por causa da aproximação com os países capitalistas: “Ele disse que não importa a cor do gato, o que importa é caçar o rato. Da mesma forma, não importa a coloração partidária, mas sim alcançar os avanços sociais”, pregou, sob aplausos. Se Lula foi para a direita, Alencar deu uma guinada para a esquerda. É a receita do equilíbrio. Numa entrevista a uma rádio do Recife, Alencar defendeu enfaticamente o direito de os trabalhadores fazerem greve e
lamentou que eles só não o fazem porque têm medo de perder o emprego. Foi a deixa para Lula brincar: “Daqui a pouco o Zé está mais xiita do que o PSTU.”
F. C.