17/07/2002 - 10:00
Ultrapassado pela primeira vez na disputa eleitoral que o levava para o segundo turno, o candidato tucano ao Planalto, José Serra, acusou o golpe e forçou o QG governista a uma reunião de emergência em Brasília, na quarta-feira 17, para avaliar a campanha, corrigir erros e tentar conter o crescimento do candidato do PPS, Ciro Gomes. Mais do que a queda, assusta o alto tucanato a estagnação e, em seguida, a curva descendente de Serra nos índices
das últimas quatro semanas. No Ibope, ele patinava em 19% em junho,
caiu para 15% agora, enquanto Ciro subiu de 9% para 22%. O Ciro
é uma onda, mas é uma onda que veio para ficar, advertiu a cúpula do PMDB – Michel Temer (SP), Renan Calheiros (AL) e Geddel Vieira Lima (BA) –, à noite, numa dura mas franca conversa com Serra e sua vice, Rita Camata (PMDB-ES).
Estranhamente, Serra parecia mais pálido do que Rita, obra de uma nova exigência dos marqueteiros: o uso de pancake, a base de maquiagem utilizada para amenizar as rugas e disfarçar as olheiras. “É uma ordem do Nizan Guanaes”, desculpou-se Serra, que saiu de casa já produzido para uma entrevista coletiva no comitê. Mas o que apavora os tucanos é a sombra que Ciro faz à candidatura de Serra, principalmente entre os aliados. “Se a situação não se reverter até o início de agosto, vamos ter que pensar no que fazer no segundo turno. Aí, vamos ter uma posição fechada, unida, que seja a melhor para o PMDB. Podemos apoiar o Lula ou até mesmo o Ciro”, antecipou o líder no Senado, Renan Calheiros.
Na tentativa de amenizar o impacto da onda Ciro, o presidente Fernando Henrique se dispôs a participar, no limite de suas responsabilidades, da campanha de Serra. E ainda cedeu, na quinta-feira 18, seu secretário de Comunicação, Roberto Vieira da Costa, para assumir a área de marketing e mobilização, que vinha sendo “maltratada”, segundo assessores do Planalto, pelo coordenador tucano Pimenta da Veiga (MG). Mas a culpa maior sobre o andamento da campanha recai sobre o próprio Serra. FHC queixou-se para o comando: “O Serra precisa melhorar o seu desempenho na tevê, nas entrevistas. No Jornal Nacional, ele apareceu lendo um documento sem olhar para a câmera… Assim não dá!” Além da entrada de FHC, Serra será exposto intensamente nas ruas. Aparecerá em out-doors, cartazes, banners e adesivos. Outra decisão do comando tucano é concentrar suas aparições nas regiões Sudeste e Sul, domicílio de 70% dos eleitores e onde Ciro Gomes mais cresceu. Na semana passada, foi cancelado um roteiro pelo Norte e Nordeste.
Os tucanos também resolveram apostar na imagem de Rita Camata. Serra passará a viajar com ela e deixará de cumprir agendas separadas. “Se eles formam uma chapa, que apareçam juntos!”, prega um dos caciques do PSDB. Nas análises sobre o comportamento do eleitorado pró-Ciro, uma das explicações mais fortes para a explosão do candidato do PPS é a imagem de sua mulher, a atriz Patricia Pillar. Ela, que luta contra o câncer de mama, está sempre ao lado do marido, como exemplo de força e simpatia. Esse último atributo não é o forte de Ciro nem de Serra. Os tucanos querem explorar o carisma, a simpatia e o histórico parlamentar da vice Rita para, com isso, chamar a atenção do eleitorado feminino.
As nebulosas coligações feitas pelos candidatos ao Planalto estão deixando confuso o eleitor no que se refere à oposição e ao governo. Num comparativo entre cinco pesquisas de três institutos, foi perguntado quem seria o candidato governista. No início de junho, 1,8% dos eleitores achavam que era Lula e 4,2% carimbavam Ciro como chapa-branca. Duas semanas depois, 9% consideravam Lula o candidato governista e 8%, Ciro. José Serra, que antes era o candidato do Planalto para 57,3%, se distanciou de Fernando Henrique e em meados de junho, era considerado governista apenas para 43% do eleitorado. As posições muito parecidas dos que pleiteiam a cadeira presidencial dificultam a identificação de quem é o nome da oposição e qual deles é o candidato da situação.
A dúvida existencial de Serra – ser ou não ser governo? – também explica o tumulto em que vive a frente governista e, segundo marqueteiros de plantão, a perda substancial de votos. A cúpula dos partidos aliados, reforçada pelo vice-presidente Marco Maciel (PFL-PE) e caciques do Congresso, decidiu sair do muro e fazer demonstrações públicas para conter a ameaça de debandada da candidatura de Serra. Nesta semana, governadores e prefeitos das 100 maiores cidades governadas pelo PSDB, PMDB e PPB estarão em Brasília. Eles se reunirão com o Conselho Político para reclamar da equipe econômica do governo, que ao permitir o aumento de preços dos combustíveis acaba devastando a candidatura oficial perante a população. Não foi por coincidência que, sob pressão dos tucanos, no dia da reunião do comitê de Serra, o Conselho de Política Monetária resolveu baixar a taxa de juros em 0,5%. Uma decisão que foi considerada por muitos no mercado como meramente política. Nem mesmo o horário gratuito, que começa no dia 19 de agosto, promete fortes emoções: o QG de Serra contabilizou 18 inserções em 45 dias, o que parece pouco para afugentar os fantasmas de Lula e Ciro.
A subida de Ciro nas pesquisas também gerou turbulências na candidatura de Lula. Em pouco mais de um mês, os números do Ibope apontam uma queda do petista de seis pontos: de 39% na primeira semana de junho para 33% em 14 de julho. “Ciro e Serra são frutos da mesma árvore”, desdenha Lula, lembrando a passagem de Ciro pelo PSDB. Os sobressaltos da sucessão foram confirmados na quinta-feira 18 pela nova pesquisa do Vox Populi, que fincou o candidato do PPS no segundo lugar, com 24%, oito pontos à frente de Serra. No final da manhã, as más notícias vieram do Maranhão: a família Sarney anunciou oficialmente seu apoio a Ciro. “Em 1989, com medo da inexperiência de Lula, o País se jogou na aventura moderninha de Collor. Ciro Gomes tem o mesmo palanque de Collor, os mesmos aliados, a mesma falta de respeito”, atacou Serra em seu site de campanha na internet. Para desassociar sua imagem da de Collor, Ciro desfez, ao anoitecer da quarta-feira 17, a coligação que o PPS sustentava em Alagoas com o PRTB, que tem como candidato ao governo o ex-presidente Collor. Ao mesmo tempo, a frente que sustenta Ciro não acha uma boa idéia que o candidato do PPS esteja liderando uma coligação contra o candidato do PT. “Ciro não será o anti-Lula. Ele é um candidato de oposição ao que está aí”, avisou o ex-governador Leonel Brizola. Brizola também conseguiu em Florianópolis a neutralidade do governador Esperidião Amin, apesar de o PPB estar próximo de Serra.
Isolado na avenida da sucessão, Anthony Garotinho luta para convencer seus eleitores de que vai manter seu nome até o final. Ele confia em sua experiência de radialista no horário político e na fé da maioria dos 16 milhões de evangélicos-eleitores para chegar ao segundo turno. No entanto, Garotinho já sinaliza uma possível aliança com a Frente Trabalhista, ainda que para o segundo turno. Ele troca mensagens cada vez mais frequentes com Ciro por intermédio do líder do PPS na Câmara, deputado João Hermann. O Planalto está apreensivo com a possível desistência de Garotinho antes do primeiro turno. Nas contas tucanas, 65% do espólio eleitoral do ex-governador do Rio de Janeiro, rompido com o PT de sua sucessora Benedita da Silva, iria para Ciro.
O líder do PTB na Câmara, Roberto Jefferson (RJ), foi ao Planalto acalmar os ânimos, uma vez que existe nas hostes governistas a desconfiança de que Lula seria uma alternativa mais confiável do que Ciro Gomes como sucessor de FHC. “Ciro não fará um governo de revanchismo. Não haverá CPI sobre as privatizações”, tranquilizou Jefferson. Os líderes da Frente Trabalhista tentam assegurar que a onda Ciro é forte, mas não fará um maremoto nos oito anos da gestão tucana.