Violência e política sempre andaram juntas em Alagoas, o Estado brasileiro que contabiliza o maior número médio anual de assassinatos – 66 – para cada 100 mil habitantes. Casos de disputas eleitorais encerradas na ponta dos facões e nas balas são comuns em uma parte do Brasil de onde ainda hoje a figura dos coronéis e seus currais eleitorais não desapareceu. Nos últimos anos os assassinatos por motivações políticas arrefeceram em Alagoas, fazendo com que os mais otimistas acreditassem que, por fim, a guerra das ideias seria travada apenas nas urnas. Na manhã de domingo 29 ficou claro, no entanto, que a prática de eliminar inimigos políticos por meio da força continua em voga no Estado. Com três tiros disparados por uma pistola .40, Genildo Correia, 45 anos, presidente do PT de Campo Alegre, uma cidade a 100 quilômetros de Maceió, tornou-se mais uma vítima das disputas políticas alagoanas.

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ALVO FÁCIL Após várias ameaças, o petista Genildo foi morto com três tiros em uma manhã de domingo

O assassinato de Genildo, assim como em muitos casos semelhantes, já era previsto. Líder comunitário em um distrito rural da cidade, o petista vinha recebendo repetidas ameaças de morte há algum tempo. Elas se intensificaram no fim do ano passado, quando ele se candidatou a vereador. Em cartas e telefonemas o assassinato era prometido, caso o petista não abandonasse a tentativa de concorrer a uma vaga na Câmara de Vereadores. Genildo disputou a eleição, mas acabou não vencendo. “Ainda não sei se foi crime político, mas que o serviço foi feito por profissional, eu tenho certeza”, diz o delegado Mário Jorge, que investiga o caso. A arma utilizada no crime é de uso exclusivo da polícia. Entre os colegas de partido, no entanto, não há dúvida. “Os coronéis de Alagoas ainda dominam a política pelo chicote e pela metralhadora”, diz Joaquim Brito, presidente do PT alagoano. “Morreu um pedaço do PT do nosso Estado”, disse Brito.

Genildo não difere muito dos milhares de militantes políticos que atuam nos rincões do Brasil. Ele estudou até a sexta série e circulava horas a fio a bordo de seu Fusca preto pelas estradas de terra batida apoiando os trabalhadores das usinas de beneficiamento de cana. Ganhando a vida de uma forma pouco ortodoxa, Genildo ensinava os trabalhadores rurais a acionar seus patrões na Justiça trabalhista. Das ações vitoriosas saía um pedaço de seu sustento, o resto era complementado com uma aposentadoria precoce por invalidez de pouco mais de R$ 500 – ele levou uma queda e bateu a cabeça numa pedra o que o deixou “variado”, conta a viúva Benedita Marciliano da Hora.

Benedita acredita que a cabeça do marido estava a prêmio por conta de um possível esquema de corrupção na Câmara de Vereadores que ele teria, segundo ela, descoberto. “Ele tomou uma surra muito grande no dia em que filmou sacos de cimento sendo descarregados de uma ambulância na casa de um empresário da região”, lembra Benedita. Desde então, as ameaças se multiplicaram. Uma carta anônima em poder da polícia alagoana também dá o tom das ameaças que o petista vinha sofrendo. Nela, o suposto assassino intima Genildo a deixar de lado a política e as denúncias que vinha fazendo.

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PROMESSA Em uma das cartas, Genildo recebe conselho para abandonar a política

Revoltados com o crime, militantes petistas optaram por oferecer uma recompensa de R$ 5 mil para quem revelar alguma pista do mandante ou dos pistoleiros que fizeram o serviço. “É para facilitar a apuração”, argumenta Brito, presidente do PT no Estado. A recompensa é uma tentativa de fazer com que a morte de Genildo não tome o mesmo destino de tantos outros assassinatos em Alagoas. Por lá apenas 5% dos crimes praticados transformam-se em processos e somente em 1% deles o criminoso é punido. “A impunidade é perversa”, diz Ruth Vasconcelos, coordenadora do Núcleo de Estudos sobre a Violência em Alagoas. Professora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Ruth fez seu doutorado analisando dados sobre a violência no Estado em um espaço de dez anos (1998-2008) e concluiu que nada mudou nesse período. “É incrível, mas os mesmos políticos e policiais que estavam envolvidos no passado com pistolagem aparecem da mesma forma hoje”, diz.

No ano passado, a Polícia Federal prendeu dois deputados estaduais envolvidos com o crime de pistolagem. De acordo com as investigações da PF, os matadores de aluguel chegaram ao absurdo de estabelecer uma tabela de preços para as execuções (ver quadro) na qual a morte pode chegar a valer míseros R$ 3 mil. “Essa violência de fato existe. Mas antes nem sequer abriam-se inquéritos para apurar as mortes, agora não”, argumenta Paulo Rubim, secretário de Segurança de Alagoas e ex-delegado da Polícia Federal. “Não nego que tenha crime de mando aqui, mas o fato é que não existe mais interferência de políticos nas investigações”, argumenta. Encontrar e punir os assassinos de Genildo parece ser uma boa oportunidade para a polícia alagoana provar o que seu chefe diz.

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