11/05/2012 - 21:00
A indústria automobilística brasileira vive um momento curioso. Segundo dados divulgados na semana passada, nos quatro primeiros meses do ano as vendas de carros caíram 3,4% em relação ao mesmo período de 2011, enquanto a produção encolheu 10,1%. Graças a essa desaceleração, o Brasil perdeu para a Índia o posto de quarto maior mercado do planeta e, em algumas plantas industriais, o estoque elevado já causa preocupação. Diante desse cenário, é de se imaginar que a palavra crise, distante do universo das montadoras nos últimos cinco anos, voltou agora com força. Não é bem assim. Para um grupo de fabricantes, o setor nunca esteve tão pujante e, por mais estranho que possa parecer, há modelos que são entregues ao consumidor depois de longa espera. Em certos casos, ela pode chegar a meses. O administrador de empresas Eduardo Dias, morador do Rio de Janeiro, deu um sinal de R$ 2 mil e está há 65 dias no aguardo de um Nissan Versa modelo SL. “Vou esperar 90 dias, mas, se demorar 91, não sei se tolero”, diz.
"Vou esperar 90 dias, mas, se demorar 91, não sei se tolero"
Eduardo Dias, administrador de empresas,
há 65 dias na espera de seu Nissan Versa
A japonesa Nissan lançou o sedã Versa no fim do ano passado, mas subestimou o potencial de vendas do veículo. Resultado: para receber o carro, alguns compradores esperam até quatro meses. A angústia se tornou hit em páginas do Facebook, que trazem reclamações compartilhadas por inúmeros compradores. Embora tenham fechado negócio no início do ano, muitos deles continuam na fila. A Nissan diz que não pode aumentar a quantidade de unidades importadas, porque boa parte da produção é absorvida pelos mercados mexicano e americano (onde o Versa está no topo dos mais vendidos de seu segmento). A exemplo do Nissan Versa, o Fiat 500 também é fabricado no México e a montadora italiana enfrenta a mesma dificuldade para colocar seus carros no Brasil. Vigente desde março, o novo acordo entre Brasil e México isenta do imposto de importação os automóveis oriundos daquele país, mas estabeleceu cotas que limitam o comércio bilateral pelos próximos três anos. Até 18 de março de 2013, só está permitida a importação de US$ 1,45 bilhão. O resultado? Filas enormes e consumidores ansiosos.
"Nossos clientes se permitem esperar
pelo automóvel que desejam"
Ary Jorge Ribeiro, diretor de vendas da montadora sul-coreana Kia
Entre os motoristas com maior poder aquisitivo, a moda do automóvel esportivo na cor branca é o que faz alguns esperarem mais de 100 dias para dirigir seu carro novo. “Esses clientes simplesmente não aceitam o produto que é empurrado para eles e se permitem esperar pelo que desejam”, afirma Ary Jorge Ribeiro, diretor de vendas da sul-coreana Kia. O prazo de entrega de alguns modelos Sportage é de 30 dias, mas o tempo que a montadora leva para importá-lo vai de três a quatro meses, o que pode provocar mais filas, se a procura crescer. “É evidente que não queremos isso”, diz Ribeiro. Até o segmento de luxo testa a paciência do consumidor. O Evoque, da Land Rover, tem fila de compradores de até três meses, divididos pelas possibilidades de cores e acabamentos. As filas são indicadores de que não existe crise no horizonte. Segundo especialistas, a queda nas vendas é reflexo principalmente das restrições ao crédito impostas pelo governo no ano passado. “Em termos macroeconômicos, é muito saudável a situação brasileira, com baixo desemprego e aumento da renda”, diz Guido Vildozo, analista da IHS. “Mas o sistema bancário tem sido muito rígido com as aprovações das linhas de financiamento.” O cenário vai melhorar? Tudo indica que sim. Na quinta-feira 10, a Caixa Econômica reduziu os juros destinados à aquisição de carros novos. É questão de tempo para os bancos privados trilharem o mesmo caminho e reanimarem o setor.