16/02/2005 - 10:00
Na (então) pequena Juazeiro do Norte, no Ceará, um garoto que gostava de recitar os anúncios do sabonete Eucalol tal e qual ouvia na rádio ficou extremamente aperreado por ter sido reprovado no teste para locutor de uma tevê local. “Ao me ver desesperado, o cara falou: ‘Tem vaga para ator, quer fazer?’ Era para me consolar, e eu fui.” Assim, por acaso e como lenitivo da mágoa, nasceu o ator que hoje é considerado um dos maiores do Brasil. Mais: ele é felomenal! José Wilker de Almeida, que aboliu o último sobrenome, faz tanto sucesso como Giovanni Improtta na novela Senhora do destino, da Rede Globo, que pode até alterar os rumos do folhetim. “Inicialmente, a Maria do Carmo (Suzana Vieira) terminaria com Dirceu de Castro (José Mayer), mas eu não esperava que a obsessão dele (Giovanni) por ela fosse tão longe. Ficou difícil para mim. Vamos gravar duas cenas de casamento e escolher com quem ela vai terminar no último capítulo”, garante o autor Aguinaldo Silva. E pode ser que Giovanni sobreviva ao término da trama, com um programa só para ele. “Surgiram consultas extraoficiais. O seriado teria o núcleo dele, a família e as pessoas que o rodeiam, como o Madruga. Mas só vou pensar nisso depois”, diz Silva. “Acho legal, engraçado. Mas seria para o ano que vem, segundo me disseram”, completa Wilker.
A maior prova de que seus bordões estão na boca do povo, veio no Carnaval: “Fui desfilar no sambódromo e fiquei 15 minutos ouvindo as pessoas gritarem ‘É fe-lo-me-nal!’”, conta. Em sua bela casa no Jardim Botânico, zona sul do Rio de Janeiro, ao lado do cachorro maltês chamado Cão, e de Belmira, a gata siamesa, o ator dá uma doce descrição de Giovanni. “A primeira marca dele é ser romântico. A segunda é ter um extraordinário senso de humor”, aposta. Nas ruas, Wilker colhe dicas. “Outro dia, um cara sugeriu falar da ‘lady smurf’ ou ‘lei de smurf’. Demorei a entender que era lei de Murphy. Adorei e já usei na novela.” Esse carisma todo pode passar a imagem de que bicheiro é legal? Wilker responde com voz bonita e pausada: “Isso talvez ocorra na cabeça de intelectual que consegue enxergar cabelo em ovo.”
Para ele, “Aguinaldo está muito mais para denunciar a ineficiência do esquema policial deste país do que para elogiar a figura do marginal.” A deputada Denise Frossard (PPS/RJ), que era juíza em 1993 e condenou à prisão a cúpula do jogo do bicho carioca, se permite uma brincadeira sobre o tema. “Veja só: o talento do Wilker é tão grande que até eu me apaixonei pelo Giovanni Improtta.” A sério, ela lembra que os papéis são inconciliáveis. “Corre o risco de as pessoas pensarem que o jogo do bicho é uma atividade inocente, quando, na verdade, é um véu para encobrir atividades criminosas pelas quais eles foram condenados.” O deputado federal Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), que pediu ao Ministério Público para investigar as homenagens feitas no Carnaval pelas escolas de samba Salgueiro e Mocidade Independente de Padre Miguel aos contraventores Miro e Maninho (já falecidos) e César Andrade (foragido), tem opinião parecida.
Esses debates submetem o ator a uma lógica repetitiva: de novo, Wilker rouba a cena. Mas nem sempre foi assim. “Meu primeiro trabalho em tevê foi tomar um soco na cara num seriado chamado O gavião. Depois fiz pontas em programas.” Natural que o jovem iniciante procurasse, então, outras praias. Ele se mudou para o Rio e foi viver de teatro, participando de peças como O arquiteto e o imperador da Assíria e Ensaio selvagem. Tentou montar Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, mas só houve um espetáculo. “Fomos proibidos pela Bárbara Heliodora, que era presidente do Serviço Nacional do Teatro e achou que aquilo era subversivo.”
Um fato perpassa todas essas etapas de vida de Wilker, 58 anos: a participação em movimentos da chamada esquerda. Essa particularidade quase levou Aguinaldo Silva, que já trabalhou com o ator em sucessos como
Roque Santeiro
e
Fera ferida
, a um equívoco. “No início, o Wilker seria o jornalista Dirceu e o Mayer seria o Giovanni. Foi o Wolf Maia (diretor da novela) que me sugeriu a troca”, revela o autor. Mas Wilker também tem em seu passado experiências ao estilo Giovanni. “Eu e o Stephan Nercessian descobrimos, no início da carreira na Globo, que receber muitas cartas dava o maior ibope lá dentro. Então, passamos a mandar pilhas de cartas para nós mesmos.” Mais do que ficar famoso, ele ganhou muitos amigos na emissora. Como Miguel Falabella, que o define como “grande ator, companheiro solidário, engraçado, inteligente”. E o ano que começou com Giovanni será encerrado com a realização de um sonho. Depois de atuações memoráveis como o Vadinho de
Dona Flor e seus dois maridos
e o Lorde Cigano de
Bye bye Brasil
, Wilker será Lampião no filme
Os desvalidos
, de Francisco Ramalho.