14/03/2007 - 10:00
O senador Cristovam Buarque ficou bem longe de ter uma chance mínima de vencer as eleições presidenciais do ano passado, às quais foi candidato pelo PDT. Ele ficou conhecido como o “candidato de uma nota só” porque passou a campanha inteira falando apenas de educação. O senador não conseguiu comover o eleitorado com a sua argumentação monotemática. Seu desempenho nas urnas (2,5 milhões de votos) pode ter sido baixo, mas ele não lamenta a experiência. Por conta da sua fixação no tema, Cristovam Buarque tornou-se a principal referência do País quando se fala em educação. De volta à base de sustentação do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de forma involuntária – seu partido, o PDT, ao qual se filiou depois que deixou o PT, resolveu aderir após as eleições –, nem por isso o senador resolveu arrefecer da posição crítica que adotou depois que Lula resolveu demiti-lo do Ministério da Educação por telefone. “Volto a fazer como fazia quando era do PT: sigo o partido nas votações em que houver questão fechada, mas não vou deixar de dizer sempre o que penso”, avisa Cristovam Buarque nesta entrevista a ISTOÉ. Ele critica o pacote de medidas anunciadas na semana passada pelo governo para a área educacional, o chamado PAC da Educação. O erro do programa de Lula é considerar que seja possível resolver o problema do setor apenas aumentando o volume de recursos. Se não houver um projeto com clareza de objetivos e metas, o dinheiro acabará se dispersando, e pouca ou nenhuma melhora será sentida, diz.
Cristovam Buarque – Mais uma vez o governo confunde educação com dinheiro e com marketing. Assim, não vai dar certo. O que nós estamos ouvindo é o anúncio de que o governo pretende gastar mais R$ 8 bilhões em quatro anos com a educação. Ora, já se gastam R$ 60 bilhões por ano no setor. O que significam, então, R$ 2 bilhões a mais a cada ano? Significa apenas 3% de aumento anual das verbas para a educação. Somente 0,2% do PIB. Isso não é nada! E é para se fazer o que com esse dinheiro?
Cristovam – Essencialmente, o que está errado é a noção de que a educação pode evoluir por si mesma apenas com mais dinheiro. O governo tinha, primeiro, de definir a educação como uma questão nacional, estratégica. Tinha de puxar a educação básica para si e tirá-la do âmbito municipal. Com esse PAC da Educação, a proposta é dar dinheiro para as prefeituras que forem mais eficientes. Isso quer dizer que as crianças que estudam nas cidades onde o prefeito é incompetente serão abandonadas. É justo isso? Será que é por acaso que é no Distrito Federal, onde a educação básica é responsabilidade do governo federal, que se encontra o melhor ensino público do País, com professores que têm um salário médio de R$ 3,2 mil?
Cristovam – Vamos, então, descentralizar a gerência, mas federalizar a qualidade. Você tem que ter padrões nacionais: salário, formação do professor. Como é no Banco do Brasil. No Banco do Brasil, as agências têm o mesmo padrão em qualquer município. Da mesma forma, as 164 mil escolas que existem no País têm de ser iguais. O governo está propondo abandonar as crianças quando tiver um prefeito ruim. Vamos fazer ao contrário! Quando tiver um prefeito ruim, que não cumpre as metas da educação, vamos deixá-lo inelegível.
Cristovam – Precisamos de cerca de R$ 2 mil ao ano por aluno para que o Brasil faça com suas crianças o mesmo que fez a Coréia. Como são 48 milhões de alunos, arredondando, precisamos de R$ 100 bilhões de orçamento. Mas, aí, volto a insistir: não é uma questão apenas de dinheiro. Por exemplo, se o governo decidir comprar computadores para as escolas. Muitos não serão instalados porque a edificação ou a rede elétrica não permitem. Ou porque o professor não sabe usar.
Cristovam – Aqui, falamos de uma escola particular. Mas ela é exatamente o exemplo de que eu devo ter razão. Se há um projeto correto, se os objetivos educacionais forem alcançados, não importa se o Estado ou município onde ela está localizada é rico ou pobre. Ela será boa. Alguém pode me perguntar: “Você está querendo que uma escola do interior do Ceará seja melhor que uma escola de São Paulo?” Eu respondo: “Não. Estou querendo que ambas sejam tão boas quanto uma escola na Suíça.” A escola do Piauí é a prova de que isso é possível.
Cristovam – Eu comecei. Cheguei a fazer Escolas Ideais em 29 cidades. Preparei projetos mudando muita coisa. Mas eles sempre acabavam parados em alguma gaveta do Gabinete Civil. Se o presidente Lula quiser saber as mudanças que precisa fazer na educação, basta pedir que a ministra Dilma Rousseff procure-as nas gavetas da sua sala. Educação tem de ser de fato uma prioridade de governo. Não basta apenas ser a vontade de um determinado ministro.
Cristovam – Mas o problema é que ele só tem olhos para o ensino superior. Por que se prioriza tanto a universidade? Porque os professores e estudantes universitários têm capacidade de mobilização, de pressão. Num país em que se dá muito valor ao diploma superior, a universidade em si já é um ganho imediato para as pessoas. Ao passo que investimento em educação básica só traz resultado prático num cenário de pelo menos dez anos. Além disso, investimento em ensino superior só atende os 18% dos jovens que terminam o ensino médio. E os outros 82%? Isso é a cota dos espermatozóides. O governo se concentra muito em aumentar o número de vagas no ensino superior, em vez de aumentar o número de jovens que precisam terminar o ensino médio. Eles já deveriam terminar o segundo grau sabendo algum tipo de ofício. Nós precisamos é incluir quem está em exclusão. Faculdade é para quem já saiu da exclusão e quer dar um passo adiante.
Cristovam – Será que virou prioridade mesmo ou ficou apenas no discurso? Quer ver um exemplo? Na segunda-feira, o governo lançou o PAC da Educação. Na terça-feira, o presidente teve uma reunião com todos os governadores. Alguém falou em educação? Se educação fosse de fato prioridade, Lula teria aproveitado a reunião com os governadores, algo muito raro, para discutir o assunto. A verdade é que Lula é um político genial. Ele faz aquilo que sabe que dá voto. E ele já percebeu que educação de base não dá voto.
Cristovam – Porque é investimento de longo prazo, sem resultado imediato na vida das pessoas. O eleitor costuma pensar no imediato, não em algo que só vai se operar em dez anos. Por isso a dificuldade em se definirem ações para se reduzir o aquecimento global. Quando você vem dizer que no final do século a temperatura vai subir quatro graus e que é preciso fazer alguma coisa, isso não vai sensibilizar nenhum eleitor agora na hora do voto.
Cristovam – Sigo no PDT a mesma postura que tive no último ano em que estive no PT. Eu era governo, mas nunca deixei de dizer as coisas que pensava. E nunca deixei de votar naquilo que o PT determinou como questão fechada. Tudo o que o PDT me trouxer como questão fechada, votarei. Mas tudo o que eu tiver de dizer, direi.
Cristovam – Muito preocupado. A gente vê a formação de uma grande aliança de partidos em torno do governo, mas não vê ninguém falando para que quer essa aliança. O presidente só discute a distribuição dos cargos. Não ouvi dizer em nenhum momento que ele tenha debatido com algum partido uma proposta de governo.
Cristovam – Impossível crescer sem inflação se não cortar antes os gastos públicos. Não há como! A gente tem que discutir onde e como cortar. Mas não tem como o País continuar crescendo sem cortar os custos. Alguém pode dizer: “Tem, desde que baixe os juros.” Ora, os juros não baixam se você não der confiança no futuro ao dono do dinheiro emprestado.
Cristovam – Não vou discutir o tamanho da taxa de juros. Eu só acho que, se pudesse ser menor, não vejo por que o Banco Central não a baixaria, então. Juros não se baixam por decreto.
Cristovam – Cautela, mesmo em excesso, pode não ser ruim. Minha opinião sobre política econômica é a de que o Brasil precisa de uma revolução. Mas ela não virá da economia. A economia mundial hoje tem regras com pouca margem de flexibilidade para qualquer país. Então, a revolução tem de vir da forma como cada país investirá o dinheiro do qual dispõe.
Cristovam – De fato fui discípulo de Celso Furtado e Karl Marx me influenciou. Mas nunca fui um desenvolvimentista que pregava crescimento com inflação. Duas semanas antes de o Celso Furtado morrer, tivemos uma discussão sobre isso na casa dele. Ele me disse: “É preciso uma inflação pequena para acelerar o crescimento.” Eu respondi: “Professor, em qualquer país, acho que a inflação pequena pode ser boa. Mas no Brasil, com a cultura inflacionária, arranca logo para uma hiperinflação.” Só poderemos tolerar uma inflação razoável quando não nos lembrarmos que houve inflação. Agora, isso quer dizer que virei neoliberal? Que neoliberal fala de investimento em educação pública básica?
Cristovam – Não, as utopias é que mudaram. Já não acho mais que a igualdade seja um objetivo utópico, daquele jeito que Marx pregou. Hoje, não vejo nenhum problema ético de uma pessoa ter um Mercedes-Benz e outra um Fusca. O que não dá é que uns poucos tenham Mercedes-Benz e milhões não tenham dinheiro sequer para pegar um ônibus. Para mim, a nova utopia é que no futuro todos os seres humanos estejam conectados. Não é só ter acesso à internet, mas ser capaz de dialogar, de interagir com todos. Quando isso acontecer, é porque ninguém mais vai ser analfabeto ou não ser capaz de pagar a passagem de ônibus. A revolução, que é a educação, é apenas o caminho para se chegar à utopia.