14/03/2007 - 10:00
Não há como se segurar. Maquiando-se em cena, improvisando vestuários a partir de figurinos esquisitos com abas dobráveis e cadarços que parecem se enroscar o tempo todo, o ator paulistano Marcelo Médici faz rir. Gargalhar de perder o fôlego. Em Cada um com seus pobrema (Teatro Shopping Frei Caneca, São Paulo, até 28 de março) ele desfila nada menos que oito personagens que atingem em cheio o público – nove, se contarmos a figura que faz a ligação entre os sketches, um ator shakespeariano que transformou Hamlet em monólogo por contenção de despesas, mas morre de vergonha do público. Seguindo a direção de Ricardo Rathsam, quem abre o espetáculo é Cleuza, a faxineira do teatro que reclama do tal ator, mas se confessa tão neurótica quanto ele e portadora de transtorno obsessivo compulsivo. E por aí vai. Tem o personagem Sanderson, um corintiano boca-suja. Jatira é uma mãe-de-santo que só “recebe” bichinhos da Disney. Jonson é o surfista metido a ator. Yumi representa a misteriosa coreana dona do teatro, Tia Penha é uma apresentadora infantil que odeia crianças pobres, Smurfete é uma personagem prostituída e drogada e tem até um Mico-leão-dourado. Em extinção.
Fã de humoristas tradicionais, como José Vasconcelos, Costinha, Ronald Golias, Chico Anísio, Moacir Franco e Jô Soares, capazes de segurar uma platéia durante horas, Médici, curiosamente, não gosta de comediantes stand up, um estilo que lota estádios nos EUA. Acha muito americanizado esse negócio de se basear em jornais. É claro que ele inclui novidades diárias na peça, mas prefere se ver como um ator. Ator mesmo, daqueles que começaram no Centro de Pesquisa Teatral de Antunes Filho, passaram pelo curso de Célia Helena, fizeram teatro infantil (até três peças em um mesmo dia), ou seja, daqueles que pagaram mico. “Porque para mim”, diz ele, “ator tem de pagar mico”. E disso ele entende. Até chegar ao ponto em que está aos 35 anos, estrelando Cada um com seus pobrema e dividindo o palco com Cláudia Raia no musical Sweet Charity foi um caminho longo.
Apesar das casas lotadas, a popularidade de Médici multiplicou-se depois que fez o gago Fladson na novela Belíssima, de Sílvio de Abreu. O autor o viu como comediante em uma espécie de concurso na televisão a cabo, onde havia chegado quase por acaso. A sua experiência como humorista parecia haver se encerrado depois de participar de Terça insana, em sua primeira fase no Teatro Next (um público cult adorava seu Mico-leão-dourado), ao mesmo tempo que atingia a massa levando o corintiano Sanderson para o banco de A praça é nossa, tradicional programa do SBT. Sentindo-se limitado, voltou para o teatro sério, ao lado de nomes como a experiente Walderez de Barros ou a ousada Marília Gabriela, sendo dirigido por Carla Camurati, Jorge Takla, Bibi Ferreira, enquanto também participava de novelas como Canavial de paixões. Mas o tal concurso da tevê a cabo o motivou.
“Cada um com seus pobrema nasceu em 2004 no Teatro Crowne Plaza paulistano graças ao Sérgio Mamberti, ator que o administra, e a R$ 10 mil que tirei do cheque especial”, diz Médici. O sucesso foi tanto que ficou um ano em cartaz. Mas o que ele chama de “o fim do anonimato” se deu mesmo com Belíssima e a temporada de seis meses da peça no Rio de Janeiro. “É esquisito você ser reconhecido na rua”, diz ele, que hoje enfrenta também o problema inverso. Seu espetáculo é freqüentemente comparado ao Terça insana, agora levado no Bar Avenida, também em São Paulo, com direito a DVD. “Eu vim antes, só que poucos viram, não é mesmo?”, desabafa meio de brincadeira. Afinal, não tem do que reclamar. A temporada carioca de Sweet Charity deve coincidir com sua participação e de Cláudia Raia na novela Os sete pecados, de Walcyr Carrasco. E com uma nova temporada de Cada um com seus pobrema. Praia? Nem pensar. Afinal, ator tem mais é que pagar mico mesmo.