03/05/2006 - 10:00
Ela pode! E pode porque ela é Fernanda Montenegro! Qual autor de novela deixaria de atender a um pedido seu, sob o risco de perdê-la no elenco? De Fernanda Montenegro para Sílvio de Abreu antes de ele começar a escrever a novela Belíssima: “Aceito o convite, desde que eu dê uma parada no meio da trama.” De Sílvio de Abreu para Fernanda Montenegro: “Sim.” Foi dessa forma que surgiu e sumiu num acidente de carro, no sexagésimo capítulo, a vilã Bia Falcão, uma das principais personagens de Belíssima, da Rede Globo. Era inevitável que seu desaparecimento se tornasse o ponto alto do suspense do enredo e houve na ocasião quem elogiasse a coragem de Sílvio de Abreu por ter feito incendiar o carro em que estava Bia Falcão: isso é que é coragem, matar a Fernanda antes da metade da história! Pois bem: Fernanda Montenegro descansou e a novela cresceu em dramaticidade. O que não se sabia é que essa foi uma condição da atriz, tanto assim que Bia Falcão agora reaparece – dá-lhe Ibope. E Fernanda Montenegro, porque ela é a insuperável Fernanda Montenegro, pôde trabalhar como gosta. “Fazer uma novela inteira, ininterruptamente, é como correr dez vezes 1.500 metros de maratona e ainda ter fôlego para chegar viva”, diz ela. “Se o autor entende que eu preciso me ausentar, então tudo bem.”
De volta a Belíssima, Fernanda sabe que voltará a se deparar também com um fato que ainda a surpreende e a alegra em seus 55 anos de carreira: ter de dar explicações sobre o seu belo visual. Ela conta que foi parada na rua por uma senhora que lhe perguntou: “O que você fez no seu rosto?” Fernanda acha que as pessoas se interessam pela sua boa aparência porque ela vinha “há muito tempo interpretando somente velhas”. Lembra que no filme Casa de areia, por exemplo, fez cinco papéis de mulheres idosas. Em Central do Brasil, era “um terror de abandonada”. Em Do outro lado da rua, “uma ferrada de Copacabana”. E conclui: “Agora estou me vendo mais ou menos como ainda sou na realidade, com direito a maquiagem. Sou uma mulher que tem a pele da idade que tem, é só olhar bem, reparar nos detalhes.” Fernanda Montenegro está com 76 anos. “Sigo as recomendações de meu dermatologista e de meu nutricionista. E, muito importante: escovo os dentes e tomo banho todos os dias.”
Estar cara a cara com o público é
um dos grandes prazeres da atriz.
No projeto Encontro com Fernanda, realizado pela Funarte em teatros do
Sesc de todo o Brasil, ela costuma
avisar: “Eu vim ao natural.” Premiadíssima no teatro e no cinema, Fernanda diz que nesses encontros direto com as pessoas consegue se sentir uma mulher comum. “Por meio século as gerações se sucedem prestigiando os espetáculos que faço. Achei que era a hora de chegar com a minha cara de Fernanda Montenegro.” Ela é uma das raras atrizes que não reclamam da falta de papéis à medida que a idade avança. Brinca: “Tenho de cuidar da minha casa também, não é mesmo?” A atriz mora em Ipanema, na zona sul carioca, com Fernando Torres, com quem está casada há 43 anos. Atualmente dedica-se apenas à novela e ao lançamento internacional do filme Casa de areia, que protagoniza ao lado da filha, Fernanda Torres. O autor Sílvio de Abreu adora falar dela: “Nossa feliz parceria começou há muitos anos e nossa amizade vai muito além do Projac (estúdios da Globo). Um pedido ou um chamado de Fernanda Montenegro, para mim, são ordens.”
Essa é a segunda vez que ela encarna uma malvada em uma novela. A primeira foi na década de 80, em Brilhante. “Eu fazia também uma peste milionária. As pestes são sempre milionárias ou as milionárias são sempre umas pestes. Não tem pobre peste”, diz Fernanda. Quando foi “apresentada” a Bia Falcão, ela pensou que a personagem seria apenas uma matriarca prepotente e de difícil convivência. “Não tinham me esclarecido que ela chegaria a matar, roubar, trucidar. E eu estou vendo que a Bia é uma bandidona de arrepiar.” Para compor a personagem, ela diz que recusou caricaturas: “A maldade é da natureza, não precisa didatizar.” Fernanda Montenegro, após o longo descanso, voltou a gravar cenas do reaparecimento de sua personagem. Embora Sílvio de Abreu não confirme, tudo indica que a vilã não morreu e que não é a única a arquitetar as maldades da trama. Nos bastidores, comenta-se que Gigi (Pedro Paulo Rangel), o irmão bonzinho, pode ser a eminência parda de toda a perversidade (e quanta perversidade!) de Bia Falcão.