Amante das artes plásticas, o banqueiro Olavo Egydio Setubal está prestes a realizar um sonho de colecionador. Se for concretizada a venda do BankBoston ao Banco Itaú, ele adicionará ao seu acervo cultural cinco valiosos painéis do mestre Cândido Portinari. Os óleos sobre madeira engrandecem o hall de entrada da imponente sede do BankBoston, em São Paulo. Foram realizados em 1960 por encomenda do próprio banco, dois anos antes do falecimento do pintor. Quem visita a Torre Itaúsa, a poucos quilômetros dali, já usufrui a paixão de dr. Olavo pelo ícone do modernismo brasileiro. Bandeirantes, um mosaico de 1951, com 2,5 metros de altura e quase oito de comprimento, foi restaurado e instalado na entrada da controladora do banco, sobre as portas dos elevadores principais.

Nove andares acima, um pequeno auditório foi preparado na quarta-feira 26 para receber os acionistas do Itaú para a Assembléia Geral Ordinária e Extraordinária. Um dos itens da pauta era “deliberar sobre a destinação do lucro líquido do exercício”, tema que alimentara as especulações sobre a compra do BankBoston nos dois dias anteriores. O Itaú, uma máquina de fazer dinheiro que já engoliu 50 bancos nos últimos 60 anos e gerou um resultado de R$ 5,3 bilhões em 2005, quer crescer mais e negocia com o Bank of America, controlador do BankBoston, a compra de suas subsidiárias no Brasil, no Chile e no Uruguai. O negócio pode chegar a US$ 3 bilhões em troca de ações, mas nenhuma palavra sobre o assunto foi dita na breve assembléia geral do Itaú.

A reunião começou às 3h15 da tarde e durou apenas 20 minutos. Participaram em torno de 25 pessoas. Somente 18 dos cerca de 52 mil acionistas do banco estiveram presentes para aprovar as contas de 2005, alterações no estatuto social e os nomes do Conselho de Administração. O poder de voto, no entanto, estava muito bem representado pelos membros da família Egydio de Souza Aranha, controladora do conglomerado Itaú. Entre eles, dr. Olavo e seus filhos Roberto, Alfredo e Paulo. Também participaram os conselheiros Alcides Tápias, ex-ministro do Desenvolvimento, Tereza Grossi, ex-diretora do Banco Central, e Henri Penchas, peça-chave em todas as compras de bancos feitas pelo Itaú nos últimos anos.

Dois dias antes, na manhã da segunda-feira, a assinatura de Penchas acompanhara a de Alfredo Egydio Setubal, diretor de Relações com Investidores do Itaú, num importante comunicado ao mercado. Ambos conversavam sobre o que fazer diante das notícias publicadas pela imprensa em torno da compra do BankBoston no Brasil e na América Latina quando um ofício da Comissão de Valores Mobiliários interrompeu a reunião e apressou a decisão. Em sete linhas, o banco não negou nem confirmou a transação. O nome do BankBoston foi omitido, mas as intenções do concorrente foram reforçadas: “O Itaú está efetivamente explorando opções para expandir suas operações nesses mercados. Neste momento, não há nenhum acordo ou contrato firmado, motivo pelo qual qualquer divulgação seria prematura”, escreveram os diretores.

O cuidado na escolha das palavras revela que o negócio está em fase adiantada, mas falta acertar detalhes cruciais da transação. Por enquanto, o Bank of America nega-se a tratar do assunto publicamente. “Não comentamos rumores nem especulações”, afirmou a ISTOÉ o vice-presidente sênior da matriz, Bob Stickler.
Ele não esconde a intenção de concentrar os negócios em seu próprio território.
“A estratégia do Bank of America é continuar aumentando a participação de
mercado nos Estados Unidos, onde escolhemos para competir e crescer de
forma seletiva”, disse.

Segundo Stickler, a exposição do Bank of America é de US$ 8,6 bilhões na América Latina, dos quais US$ 3,2 bilhões no Brasil. A região responde por menos de 2% dos ativos e dos lucros totais da corporação. Nos Estados Unidos, o gigante tem 33 milhões de clientes e 5.800 agências. Aqui, o BankBoston tem 95 agências e 220 mil clientes de alta renda. É um público selecionado, que investe R$ 27 bilhões em fundos do banco e vai esquentar a briga do Itaú com o Bradesco, o primeiro no ranking do setor privado. Consta que o Bradesco – que acaba de comprar a American Express no Brasil – também fez oferta pelo BankBoston.

O presidente do BankBoston, Geraldo Carbone, não se pronunciou. Ele foi supreendido pelas notícias no fim de semana passado. O cancelamento de visitas programadas de executivos da matriz indicou que a venda do banco estava adiantada. Henrique de Campos Meirelles, que foi presidente mundial do BankBoston e hoje comanda o Banco Central, foi informado pelo Itaú. Assim como Meirelles, Roberto Setubal é muito respeitado nos Estados Unidos. Na noite da quarta-feira, ele viajou para Nova York. “O Roberto foi participar da reunião do Comitê Consultivo Internacional do Federal Reserve, do qual é membro”, afirmou dr. Olavo. Horas antes, ao final da assembléia do Itaú, ele se despedira do filho com um beijo e uma recomendação: “Dê bons conselhos ao pessoal do Fed.”