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Durante dez dias, a cidade de Istambul, na Turquia, ficou conhecida como "Resistambul". O apelido foi dado pelos manifestantes que aproveitaram a reunião anual do Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial na Turquia para protestar contra o capitalismo e o FMI, como sempre fazem nessas ocasiões. Na quarta-feira 7, último dia do encontro, a polícia turca reprimiu violentamente os jovens com jatos d’água e bombas de gás lacrimogêneo.

Um homem de 55 anos, que passava pela praça Taksim na hora da confusão, morreu de infarto. Não muito longe dali, protegidos do barulho e da violência num luxuoso centro de convenções, milhares de representantes de 186 países discutiram os rumos da economia internacional. Pela primeira vez na história, eles participaram de uma verdadeira mudança de poder no FMI, com os países ricos dando mais voz aos emergentes como Brasil, China e Índia. E o Brasil, fato inédito, oficializou a intenção de emprestar US$ 10 bilhões ao FMI.

Como o dinheiro sempre fala mais alto, o País consagrou maior relevância na complexa mesa de negociações das finanças globais. Um importante sinal dessa transformação histórica foi o esvaziamento do Grupo dos Sete (G-7), que reúne os ministros das finanças e presidentes dos bancos centrais dos sete países mais ricos: Estados Unidos, Japão, Alemanha, Itália, França, Grã-Bretanha e Canadá. Nos últimos 33 anos, o G-7 foi o centro das decisões monetárias e cambiais que norteavam as políticas do FMI.

Não é mais. Em Istambul, o clube dos desenvolvidos assinou uma espécie de atestado de óbito ao submeter- se totalmente, em seu comunicado oficial, ao Grupo dos Vinte (G-20), que além do G-7 inclui países emergentes como o Brasil, a China, a África do Sul, a Coreia do Sul e o México (leia no quadro ao lado). "Nós prometemos dar o exemplo aderindo aos compromissos assumidos pelos líderes do G-20 nas reuniões de Washington, Londres e Pittsburgh", escreveram os representantes dos ricos.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, comemorou os novos tempos. "Antigamente, os Estados Unidos e o G-7 manipulavam o FMI, era um cabode- guerra com as nossas economias, s imp l e sme n t e mandavam fazer. Agora, isso mudou completamente", afirmou à ISTOÉ, numa brecha das reuniões em Istambul. O G-7 ainda tentou manter alguma relevância ao dizer que continuará a monitorar os movimentos das taxas de câmbio e agir conjuntamente, quando necessário.

Mas, na prática, é página virada. Após a crise econômica global de 2008, nenhuma decisão importante deixará de ser tomada em conjunto com os países emergentes. "Os países desenvolvidos não têm mais a empáfia de antes, estão humildes. Eles sabem que quem vai puxar o crescimento daqui para a frente é a China, o Brasil, a Rússia, a Ásia, a América Latina. A geopolítica internacional mudou muito", diz Mantega.

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Tanto é verdade que as coisas mudaram que o G-20 determinou uma redistribuição das cotas do FMI de pelo menos 5%, em benefício das economias dinâmicas emergentes. No conjunto, esses países terão 45% das cotas do FMI, que definem os votos de cada um e o direito de saques de recursos na organização. Um detalhe: nas contas de Mantega, o grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China (os BRICs) passará a ter um poder adicional quando a mudança for efetivada, em janeiro de 2011.

"Ninguém percebeu, mas com a reforma (do FMI) os BRICs chegam a 15% e têm poder de veto. As decisões mais importantes têm que ser tomadas por 85% dos votos." A resistência histórica à voz dos emergentes, que sempre foram obrigados a seguir políticas econômicas ditadas pelos países ricos ao tomarem dinheiro do FMI, caiu em Istambul.

Isso significa que, nos próximos anos, a economia mundial também será dirigida conforme o que acontece em Pequim, Brasília, Nova Délhi e Moscou, e não apenas em Nova York, Londres, Berlim e Tóquio. Depois da crise atual, as políticas neoliberais, que davam mais voz aos mercados financeiros e tolhiam a atuação dos Estados na economia, deram lugar ao intervencionismo dos governos e a uma tendência de regulamentação e supervisão mais rígida dos bancos. O economista britânico John Maynard Keynes, que defendia uma ação mais forte do Estado e foi um dos fundadores do FMI, está mais vivo do que nunca.

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O FMI, de seu lado, busca manter seu lugar ao sol na nova ordem econômica mundial. Quer se capitalizar e se transformar numa espécie de banco central global, um emprestador de última instância, o que ampliaria seu poder de fogo nas crises cambiais.

A proposta foi defendida pelo diretor- geral do FMI, Dominique Strauss- Kahn, e prontamente criticada por nomes influentes como Henrique Meirelles, presidente do Banco Central brasileiro, Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, e Guillermo Ortiz, presidente do banco central mexicano.

"É um equívoco achar que, se o FMI tiver os recursos suficientes para ser o emprestador de última instância, os países deixarão de acumular reservas", afirmou Meirelles à ISTOÉ. Decidir quanto acumular, quando e como usar o dinheiro é uma questão de soberania nacional, que não deve ser ameaçada pelas pretensões megalomaníacas do FMI.

Se não tivesse mais de US$ 200 bilhões em caixa, o Brasil não teria sobrevivido tão bem à crise de 2008 e não estaria dando algumas das principais cartas no intrincado jogo das finanças internacionais.