Rio de Janeiro, segunda-feira 6: Marisa Monte surge à porta de uma sala do Centro Cultural Banco do Brasil para dar entrevista após seis anos de um ostracismo que impôs a si mesma. Ao longo desse tempo Marisa não lançou CD solo e não concedeu entrevistas. Deu à luz Mano Wladimir, hoje com três anos, e recolheu-se para “curtir o papel de mãe”. Pouca gente soube onde Marisa Monte se enclausurou para fugir do assédio da imprensa e do público. Essa discrição rendeu-lhe rótulos como os de “estrela convencida”, “narcisista” e “artista de temperamento difícil”. Ela nega tudo: “Eu apenas não me sinto à vontade para falar de meu restaurante preferido, do lugar onde compro roupas, acho que a minha vida pessoal não interessa.” Quando a conversa é sobre trabalho e processo criativo, porém, Marisa abre a boca com entusiasmo. É justamente esse profissionalismo e essa economia de tempo com fofocas e exposição de sua vida pessoal que dão a Marisa Monte o poder de agir como quiser – tanto na sua relação com a mídia quanto na própria carreira. Seu último lançamento: não um CD, mas dois CDs simultâneos, e um bem diferente do outro – Universo ao meu redor e Infinito particular (EMI). “Eu cheguei à gravadora com os dois discos prontos. Já que me cobraram tanto um disco novo, agora têm de ficar felizes com a dose dupla”, diz ela.

Antes de lançar os dois CDs, coisa impensável no difícil mercado fonográfico brasileiro, Marisa foi avisada de que ninguém faz esse tipo de coisa, muito menos em plena crise da indústria musical – o último a ousar foi Caetano Veloso, há 31 anos, quando lançou Jóia e Qualquer coisa ao mesmo tempo. Mas a poderosa Marisa insistiu: “Por que não fazer?” E fez. Um CD tem o clima de samba, no qual foi criada pelo pai portelense, o outro disco transita pelo universo pop. Nada que surpreenda a direção da gravadora, já acostumada com o jeito de ser de Marisa Monte, que tem domínio sobre todas as fases de produção da obra, do repertório à capa. Além disso, ela é dona das matrizes de seus discos e a EMI tem apenas os direitos de comercialização, assim mesmo por tempo limitado – outro fato raro no mercado fonográfico do País e que prova a força e o poder da cantora. “É um ótimo clima de parceria. Marisa está na mesma gravadora desde o começo”, diz o seu empresário, Leonardo Netto. A gravadora não tem do que reclamar: em 18 anos, os seis CDs lançados, incluindo Tribalistas (2002), venderam cerca de 8,5 milhões de cópias no Brasil e em outros países. “Ela é um exemplo de liberdade criativa dentro do mercado”, elogia o compositor e baterista Marcelo Yuka.

Yuka define o novo trabalho da amiga de uma forma muito pessoal: “Marisa trouxe músicas que são tão gostosas para mim quanto a torta de banana que ela faz.” Outra analogia compatível entre as prendas domésticas e seus novos CDs é o talento em confeccionar peças de crochê. Assim como faz com as agulhas, ela teceu como artesã da música cada um de seus discos. Universo ao meu redor, que reúne sambas, traz um time de craques. Nele, Paulinho da Viola toca violão, cavaquinho e cedeu música inédita. A escalação seguiu misturando os tradicionais Monarco, Ivone Lara e Casquinha aos modernos Fernandinho Beat Box e David Byrne, que ajudou a compor um samba bilíngüe experimental. Para arrematar, ela pediu a Mário Caldato para cuidar da produção. “É um disco que dialoga mais com as idéias do samba do que propriamente com o gênero musical. Evoco a simplicidade, a tradição, mas sob minha ótica pessoal”, diz Marisa.

O CD Infinito particular nasceu de seu mergulho nas antigas fitas cassete que documentam 15 anos de suas composições e parcerias. Desse ambiente foi surgindo um disco mais chegado ao pop. Para ele, Marisa convocou gente como Nando Reis, Seu Jorge e Yuka, cujas composições foram formatadas por arranjos de Philip Glass, Eumir Deodato e João Donato, sob a batuta de Alê Siqueira. Nesse disco, todas as músicas têm como base o fagote, o trumpete, o celo e o violino. “Vou levar essa formação ao palco”, diz ela. Do início ao fim dos dois CDs, transbordam composições de Marisa, Brown e Antunes – 14 ao todo. No conjunto, Marisa Monte dá ao ouvinte um trabalho precioso, pelo qual valeu a pena esperar e que compensa o sumiço da artista por seis anos.