Você vê o seu vizinho chegar em casa de capacete e lhe pergunta, por exemplo, qual a marca de sua moto. Então ele responde com a maior naturalidade: “Não tenho moto, não. Eu uso capacete porque sou astronauta.” Saber que o seu vizinho é um astronauta ocuparia, com certeza, quase todo o seu tempo de conversa com familiares e também com outros vizinhos. Pois bem: ninguém teve, na cidade paulista de Bauru, esse tipo de diálogo com o tenente-coronel da Força Aérea Brasileira Marcos César Pontes. Mas ele é o assunto de toda Bauru e por um único motivo: Pontes, 43 anos, é o primeiro astronauta brasileiro que viajará para o espaço através da Estação Espacial Internacional (ISS). Ele partirá no próximo dia 30, da base de Baikonur, no Casaquistão. O lançamento da nave Soyuz, que o transportará, deverá demorar um minuto e oito segundos e será embalado por uma trilha sonora. “Não é jingle, mas é uma música para marcar o acontecimento”, diz o compositor Adilson Godoy (irmão de Hamilton Godoy, que integra o Zimbo Trio). Pontes tem retorno previsto para o dia 8 ou 9 de abril.

Os comerciantes, sobretudo os do ramo dos bares, comemoram o fato de ter um astronauta na cidade: a venda de caipirinha feita com vodca triplicou. Por quê? Essa caipirinha é justamente a bebida preferida de Pontes. Hoje, em Bauru, todo mundo é amigo do astronauta “desde criancinha”. Na praça Portugal, que fica na parte mais rica da cidade, os mais eufóricos sapecam discursos. E as colunas sociais do jornal de Bauru são estratosféricas: “O feito do filho da terra é a prova inconteste de que as oportunidades são mesmo iguais para todos.”

As histórias da vida do astronauta compõem
os finais de tarde dos freqüentadores do bar
do Aeroclube de Bauru – o ponto predileto de Pontes quando ele está na cidade. Entre uma rodada e outra de cerveja, uma picanha bem passada e, claro, caipirinha de vodca, as lembranças vão surgindo. Uma delas é que Pontes, quando criança, ficava o dia inteiro
na beira da pista do aeroclube fazendo
anotações das manobras dos pilotos. Convidava vizinhos para lhe fazerem companhia, mas nessa época ninguém se interessava pelas suas esquisitices. “Ele cresceu, ficou amigo dos instrutores e acabou aprendendo a pilotar. Foi na base da amizade porque não tinha dinheiro para tirar o brevê”, diz Paulo Silva, o funcionário mais antigo do aeroclube. Outra revelação feita pelos amigos é que Pontes sempre se achou “baixinho” e não gostava disso: 1,69 m de altura. Agora mudou de opinião. “Um dos critérios finais que nos convenceram a selecioná-lo foi justamente a sua altura. Muitos candidatos foram eliminados pela alta estatura”, diz um oficial da FAB.

“Para chegar onde está, o meu amigo Marcos comeu o pão que o diabo amassou”, diz Marivaldo Campos, referindo-se à origem pobre do astronauta. “É uma emoção contagiante”, diz Luiz Pontes, irmão mais velho. O patriarca da família, seu Virgílio, 89 anos, nunca andou de avião porque morre de medo de voar – mas, segundo a filha Rosa Maria, “ele está muito feliz porque é como se estivesse voando pela primeira vez”. Rosa Maria assumiu o comando da casa dos Pontes depois que a mãe, Zuleika, morreu e cumpre uma dupla jornada: dona de casa e cabeleireira. Quando ainda podia trabalhar, seu Virgílio revezava-se como porteiro e faxineiro no extinto Instituto Brasileiro do Café (IBC). Zuleika era funcionária da Rede Ferroviária Federal, onde o adolescente Marcos, então com 14 anos, começou a aprender eletrônica. Hoje ele é doutor nessa área. “O meu irmão não é nenhum gênio, mas é uma pessoa muito esforçada”, diz Luiz.

No final da década de 60, quando o homem pisava a Lua, Oswaldo Canova, tio de Pontes, era sargento mecânico da Base Aérea de Pirassununga. Quando o sobrinho fez dez anos, ele o colocou na cabine de um avião. Foi chegar em casa e o garoto rabiscou o desenho do painel do aparelho. Ao completar 17 anos, Pontes passou no vestibular da Universidade de São Paulo, na Academia Militar das Agulhas Negras e na Academia da Força Aérea Brasileira – optou por esta, a conselho do tio. O tempo voou. Há oito anos, a sua tia Helena leu num jornal que havia sido aberto um concurso para astronauta. Lembrou do sobrinho, que estava estudando nos EUA, e o avisou. E foi assim que os moradores de Bauru ganharam o vizinho astronauta.