15/03/2006 - 10:00
O Brasil está voltando à fogueira do debate mundial sobre energia atômica. O ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, anunciou um megaprojeto para construir nada menos que sete usinas nucleares nos próximos 15 anos. O plano faz parte do Programa Nacional de Energia Nuclear e, até agora, estava guardado nas gavetas de Brasília. Só veio à tona na terça-feira 7, com a inesperada declaração do ministro.
“Esse plano começa com a decisão de retomar a construção de Angra 3 e fazer com que, a cada dois, três anos, seja implantada uma nova usina”, disse o ministro em entrevista à BBC, acrescentando que pretende ver o projeto aprovado “em todas as instâncias até o fim do primeiro semestre deste ano”. Ele estava em Londres como integrante da comitiva do presidente Lula.
Rezende costuma falar pouco e se desviar sempre de polêmicas. Quem o conhece não tem dúvidas de que não foi à toa que escolheu Londres, com a repercussão da visita presidencial. Ele colocou o assunto em voga estrategicamente, para medir reações. Conseguiu. A revelação causou surpresa. Até então, não se sabia que o governo estava dando tanta importância assim para o tema. Ao menos publicamente. Mas agora surgem sinais de que, interna corporis, já tinha gente gastando energia para delinear o futuro nuclear do Brasil. E a relevância do assunto para o governo pode ser medida pelo endereço atual do projeto: o desenho do Programa Nacional de Energia Nuclear, do qual faz parte a meta de construção das novas usinas, está simplesmente no terceiro andar do Planalto, dentro do gabinete presidencial.
O ministro Rezende deu detalhes do projeto. Por exemplo: a idéia é que duas das sete usinas sejam construídas no Nordeste, às margens do rio São Francisco. Ele justifica o projeto com o argumento de que o País precisa ampliar a participação da energia nuclear em sua matriz energética. “Com a construção das usinas, a parcela de contribuição da energia atômica poderia passar do atual 1% para 5%”, disse o ministro. Na passagem por Londres, um dos programas da agenda do ministro foi visitar as instalações do Joint European Torus (JET), uma espécie de consórcio europeu destinado a aprofundar os estudos sobre fusão nuclear. Na capital inglesa esteve ainda o presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear, Odair Gonçalves. Antes de se juntar à comitiva, Gonçalves estava em Moscou, em viagem com agenda não divulgada.
Ao anunciar o projeto brasileiro, Sérgio Rezende admitiu que polêmica não vai faltar no debate. Só não esperava que as primeiras críticas partissem de dentro do próprio governo. O ministro da Fazenda, Antônio Palocci, rebateu a defesa que Rezende fez da tecnologia nuclear. Disse preferir energia hidrelétrica. “Acho que a alternativa de recursos hídricos é muito mais justificada”, declarou Palocci. Ao menos nesse assunto, o ministro da Fazenda tem a seu lado uma de suas maiores opositoras no governo, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ela também prefere as hidrelétrica. Vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, o físico Celso Melo disse a ISTOÉ que o Brasil precisa de fato dominar o ciclo da energia nuclear, mas que um anúncio como o feito pelo ministro em Londres deveria ser precedido de um debate mais amplo. “Acredito que o governo fez estudos cuidadosos antes de propor isso. Mas, se foi assim, deveria ter disponibilizado esses estudos para discussão”, afirmou.