Peças valiosas, museus desguarnecidos e colecionadores ricos. Essa combinação de fatores incentivou a criação da última moda entre os criminosos: roubar quadros milionários e objetos raros nos museus brasileiros. A tendência, marcada por uma seqüência de crimes num curto espaço de tempo, sacramenta a entrada do País na rota do tráfico internacional de obras de arte. Em duas semanas, três roubos mostraram que, para surrupiar essas casas sem câmeras e com guardas desarmados, não é preciso muito esforço. Pelo menos no Rio de Janeiro. O Museu da Chácara do Céu, em Santa Tereza (centro), foi pilhado, no dia 24 de fevereiro, de obras que somam US$ 50 milhões: Os dois balcões, do gênio surrealista Salvador Dalí, A dança, de Pablo Picasso, Marine, do mestre impressionista Claude Monet, e Jardim de Luxemburgo, de Henri Matisse. Dez dias depois, o Museu da Cidade, na Gávea, foi saqueado em 11 objetos do século XIX de valor inestimável. Na onda, sumiu do Jockey Club, no dia seguinte, a tela Tarde calma, do pintor Baptista Costa. Leite derramado, o governo federal criou uma força-tarefa para cuidar do seu acervo e 182 países foram alertados sobre os crimes.

Na quase totalidade desses casos, atesta a Interpol, o ladrão pé-de-chinelo, que só entende mesmo da arte de roubar, executa o serviço sob encomenda de marchand do mercado paralelo que ele nem sequer conhece. Retirada do museu, a obra chega ao autor da encomenda pelas mãos de intermediários e fica escondida, numa primeira quarentena, até a poeira baixar. Depois, é remetida para Nova York e cidades européias, em viagens que envolvem mais intermediários e escalas em outros países. Na última etapa, os quadros são vendidos no Exterior e mergulham numa coleção clandestina americana ou européia. Neste ponto há uma nova quarentena, que costuma durar até 20 anos, tempo da prescrição do crime. “Existem casos de obras que desaparecem por muitos anos e depois ressurgem nas mãos de colecionadores”, aponta o delegado Glorivan de Oliveira, da Interpol. “Tem sempre um colecionador tarado na ponta final”, reforça Deuler Rocha, chefe da Delegacia de Patrimônio Histórico da Polícia Federal.

Um francês que já fugiu de uma prisão no Brasil pela porta da frente, o ladrão de obras de arte Michel Cohen – “especialista” em Picasso, Monet e Dalí –, pode estar por trás do roubo na Chácara do Céu. A Interpol suspeita que Cohen, foragido desde 2003, seja o principal intermediário de grandes colecionadores do mercado negro de artes interessados em obras no Brasil. Blefe ou não, um site bielo-russo especializado em leilões virtuais, o Mastak, ofereceu uma das obras desaparecidas, o Jardim de Luxemburgo, por US$ 13 milhões, mas logo depois tirou a “oferta” do ar. Vender na internet revela um certo amadorismo.

Se o esquema por trás desses crimes parece extraído do roteiro de um filme, o
roubo nos museus cariocas não tem nada de cinematográfico. Um deles chegou a rasgar um Picasso na fuga e as molduras dos quadros foram encontradas queimadas no Morro dos Prazeres. Outra má notícia é o uso de violência, antes rara. No primeiro roubo, o da Chácara do Céu, os quatro bandidos ameaçaram seguranças e turistas com uma granada. No segundo, o serviço coube a dois homens com pistolas. Preso, até agora, só Paulo Gessé Ferreira, motorista da Kombi usada em Santa Tereza. Ele jura que era refém. O problema não é pequeno. Levantamento do Ministério da Cultura contabiliza o desaparecimento, de um ano para cá, de 1.200 obras, entre quadros, material sacro, gravuras raras e moedas valiosas. O País tem dois mil museus, sem contar monumentos públicos e igrejas. “Essas instalações viraram supermercados de colecionadores particulares”, define a autora do pedido de criação da CPI do Roubo e Comércio de Bens Culturais, deputada Alice Portugal (PCdoB-BA).