15/03/2006 - 10:00
Ah, o amor, o mais humano dos sentimentos. É justamente por isso que bisbilhotar as inconfidências amorosas de figuras poderosas desperta tanta curiosidade – e ainda mais quando se trata de presidentes dos EUA. Com o intuito de mostrar o marido por trás do homem público e a intimidade no lugar do cerimonial, chega às livrarias americanas My dear president: letters between presidents and their wives (Meu querido presidente: cartas entre presidentes e suas mulheres), obra que reúne 184 cartas de 23 dos 43 presidentes dos EUA. Gerard Fawalt, autor do livro, é curador há mais de 30 anos dos papéis presidenciais da biblioteca do Congresso em Washington. Não falta no livro intensidade dramática.
“Esta manhã me sinto ambicioso, orgulhoso, enérgico e loucamente apaixonado por você”, escreveu o ex-presidente Lyndon Johnson (1963-1969) a sua mulher, Lady Bird – famosa por fazer vistas grossas à infidelidade do esposo. E Theodore Roosevelt (1901-1909), que pregava a diplomacia do grande porrete, era uma seda com a sua mulher: “Eu te venero tanto que me parece um sacrilégio te tocar”, escreveu ele para Alice Lee.
O cuidado dos americanos com documentos que fazem parte da história da nação é de impressionar. Há correspondências arquivadas entre John Adams, que viria a se tornar o segundo presidente americano (1797-1801), e sua mulher, Abigail, datada de 1776, quando ele estava na Filadélfia ajudando a escrever a Declaração de Independência dos EUA. Percebe-se claramente que ela era uma mulher à frente do seu tempo. Com relação ao “todos os homens”, da Declaração, Abigail escreveu: “Homens com sensibilidade, de todas as idades, abominam o hábito de nos tratar somente como vassalas” – e isso no século XVIII. Ulysses Grant (1869-1877), muito antes de ser estampado na nota de US$ 50, de se tornar presidente ou de vencer a guerra civil americana, já sofria com a distância de sua amada. Em 1848, escrevendo para a esposa, Julia Dent, enquanto lutava na Guerra do México, ele desabafou: “Me sinto melancólico o tempo todo.”
Na comunicação entre duas pessoas tão próximas, é possível perceber todos as nuances da relação. Enquanto George Bush-pai (1989-1993) pedia para sua esposa, Barbara, ser mais romântica (ao menos na frente das câmeras e em tempos de campanha presidencial), nas cartas entre Franklin Roosevelt (1933-1945) e sua mulher, a altiva Eleanor Roosevelt, é possível perceber uma grande amizade, porém emocionalmente distante. “É quando a paixão se extingue de uma relação”, diz Fawalt, lembrando do caso de Roosevelt com a sua secretária particular, Lucy Mercer.
Não deixa de ser sintoma dos novos tempos que a única correspondência entre Bill Clinton (1993-2001) e a senadora Hillary Clinton, talvez a primeira-dama mais autônoma da história americana, não seja sobre amor e sim sobre o escândalo imobiliário de Whitewater que envolveu a ambos. Nada parecido com o “preciso te tocar ou explodirei”, de Ronald Reagan (1981-1989), ou o “pastelzinho cuco” de George Bush-pai. Esses corroboraram alguém que não presidiu os EUA, mas que foi o genial poeta português Fernando Pessoa. O poeta escreveu: “Todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas. Mas, afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas.”