15/03/2006 - 10:00
Caixa 2 não é crime. Foi o que decidiu,
na prática, a Câmara dos Deputados,
na noite da quarta-feira 8, ao absolver com fartura de votos os deputados Roberto Brant, do PFL (283 votos contra 156), e Professor Luizinho, do PT (253 a 183). Ambos acusados de abastecer com recursos do valerioduto o caixa 2 de suas campanhas eleitorais, saíram livres, leves e soltos. O líder do PSDB na Câmara, Juthay Magalhães Junior, até fundamentou a absolvição da dupla: “Caixa 2 é crime eleitoral, punível com multa pela Justiça, e não com a perda de mandato.” O malabarismo de inocentar com mais de 60% dos votos os deputados envolvidos no valerioduto foi o resultado de um tremendo acordão entre o PT governista e o PFL oposicionista, endossado pelo alto tucanato e, é claro, aplaudido pelos partidos mensaleiros (PMDB, PP, PL e PTB). O conluio que incendiou a imagem do Congresso é firme. Novas absolvições virão, independentemente da saraivada de críticas da opinião pública. O próximo a receber um atestado de inocência será o ex-líder do PP, deputado Pedro Henry (MT), cujo mandato será submetido ao plenário na quarta-feira 15.
O presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), justificou que “a absolvição é a vontade da maioria dos parlamentares”. E essa vontade é fruto do desejo de dar um basta na apuração dos escândalos. Não é à toa que quase no mesmo instante em que começava o julgamento de Roberto Brant, a CPI dos Correios se reunia no Senado para – com a chancela dos deputados do PFL e do PSDB – desistir da sua prorrogação, encerrando as investigações no dia 14 de abril. “Estamos andando em círculos. Não avançamos nada nas últimas semanas”, argumenta o relator, Osmar Serraglio (PMDB-PR). Pior. Serraglio não sabe se a lista com novos nomes de deputados mensaleiros irá aparecer no relatório final, porque as investigações estão inconclusas. Foram identificados novos saques de servidores da Câmara Federal nas contas de Marcos Valério, mas não foi possível comprovar a participação de deputados como beneficiários do dinheiro.
Também é pouco provável que apareça uma segunda lista de deputados federais acusados de receber recursos da corretora Euro, suspeita de forrar o bolso de um grupo de deputados. O Supremo Tribunal Federal (STF) não liberou a quebra do sigilo bancário. Assim, mesmo com fortes indícios nas mãos, a CPI dos Correios não deve aprofundar as investigações.
O acerto multipartidário para enterrar as denúncias e absolver os deputados mensaleiros vem sendo urdido nos últimos meses. Ao peitar com sucesso o Conselho de Ética com seguidas ações no Supremo para que seus direitos fossem respeitados, o então deputado José Dirceu (PT-SP) deflagrou a operação para fazer sangrar esse órgão de apuração. Não foi à toa que durante o julgamento de Brant, o presidente do Conselho de Ética, deputado Ricardo Izar (PTB-SP), estava sentado na última fila da Câmara, acompanhado apenas do relator do processo, deputado Nelson Trad (PMDB-MS). Antes mesmo da votação, Izar já previa a absolvição folgada ao assistir, cabisbaixo, a um Roberto Brant aplaudido de pé e abraçado por 30 deputados federais de todos os partidos, inclusive do PT, ao descer da tribuna após se defender. Em seguida, a situação ficou ainda mais vexatória para os membros do Conselho de Ética. Excluindo deputados do PSOL, nenhum parlamentar se inscreveu para defender a punição ao parlamentar mineiro, posição aprovada pelo Conselho. “Por favor, gostaria que os colegas tivessem um pouco de atenção com meu discurso”, implorava inutilmente um Chico Alencar (PSOL-RJ) em meio a uma barulheira infernal no plenário da Câmara. Ninguém queria ouvi-lo. Resultado: inocência. Logo após, veio o julgamento de Professor Luizinho. Aqui, as provas do acordão afloraram sem deixar nenhuma dúvida no ar. O deputado Júlio Delgado (PSB-MG) denunciou que houve até senha entre o PT e o PFL. “O deputado Fernando Ferro (PT-PE) discursou defendendo a absolvição de Brant. Foi um sinal, respondido pelo deputado Mussa Demes (PFL-PI), que logo saiu em defesa de Professor Luizinho.” O acordo entre petistas, pefelistas e tucanos foi um sucesso. Tudo que foi acertado na véspera foi cumprido. A frase “A mídia nunca se dá por satisfeita”, usada por Brant em seu discurso de defesa, se transformou na bandeira dos líderes partidários. Nos bastidores, todos repetiam: basta de cassações. Irritado com o consenso pró-impunidade, o deputado Babá (PSOL-PA) mandou bem: “O Congresso virou um rodízio de pizza.”
Agora, o presidente da CPI dos Correios, senador Delcídio Amaral (PT-MS), defende que a comissão encerre logo seus trabalhos. O relatório final será apresentado pelo deputado Osmar Serraglio no dia 21 de março. Como há várias apurações incompletas e fatos novos surgindo quase todos os dias, Delcídio propõe que as investigações prossigam na Polícia Federal e no Ministério Público: “O escândalo envolvendo caixa 2 na Itaipu deve ser uma das prioridades da PF.”