É preciso ter garra. Quem apenas observa a moda do boxe se espalhar por academias que cobram até R$ 200 de mensalidade desconhece a verdadeira face do esporte. No País, estima-se que cinco mil mulheres façam aulas sem a pretensão de competir profissionalmente, enquanto 600, a maioria vinda da classe média baixa, fazem das lutas seu projeto de vida. Em centros de treinamento nem sempre bem equipados, resistindo à falta de patrocínio e partilhando equipamentos com toda sorte de atletas, essas meninas nocauteiam a frescura sem medo de apanhar. As marcas ficam na memória. “No ano passado, tive de interromper uma luta três vezes de tanto soco que levei no nariz”, lembra a paulista Priscila Baptista, vice-campeã brasileira de boxe feminino amador em sua categoria (até 66 quilos).

Aos 21 anos, Priscila treina duas horas por dia, cinco vezes por semana, na Associação Desportiva São Caetano, onde ganhou isenção de matrícula. Cursa educação física à noite, trabalha em uma gráfica de manhã e, sem carro, vai de bicicleta ao treino. No final do ano passado, foi atropelada e ficou dois meses afastada do esporte. “Ainda bem que meu namorado me apóia.” O mesmo ringue de Priscila é freqüentado por 30 rapazes e meia dúzia de meninas, entre elas a novata Bianca Marques Carvalho, 18 anos. Apaixonada por boxe desde os 12, quando assistiu aos filmes com lutas de Muhammad Ali, Bianca criou coragem para ingressar no mundinho das lutas há quatro meses. “Minha família acha muito masculino. Mas é o que eu quero”, diz.

Dentro e fora dos ringues, poucos golpes ferem mais as pugilistas do que o preconceito. Foi preciso que o filme Menina de ouro, de Clint Eastwood, ganhasse o Oscar para que a situação começasse a mudar. A protagonista Hilary Swank foi logo alçada à condição de ídolo e divide a predileção das lutadoras com Laila Ali, filha do mito Muhammad Ali e atual campeã mundial na categoria supermédios (até 76 quilos). No Brasil, a onda vem acompanhada de novos campeonatos. Nos Jogos Abertos do Interior de São Paulo, por exemplo, o boxe feminino estreou no ano passado. Em dezembro, aproveitou-se a estrutura montada para o 60º Campeonato Brasileiro de Boxe, restrito a homens, para a realização da quarta edição do campeonato feminino. “A gente vai ter de improvisar até o boxe feminino se tornar modalidade olímpica. Sem verba do Comitê Olímpico Brasileiro, as meninas continuarão se desdobrando entre treino e trabalho e eu mendigarei patrocínio a cada edição do Pan-Americano de Boxe na Argentina, onde o esporte é mais forte, para pagar as passagens de algumas meninas”, observa Juliana Piola, diretora da Confederação Brasileira de Boxe.

Sem ajuda de custo, alojamento e assistência médica de que usufruem os homens da seleção, muitas pugilistas amadoras são convencidas a se tornar profissionais antes da hora. O dinheiro recebido, no entanto, é pouco. Não se ganha mais de R$ 500 por luta no País, enquanto nos Estados Unidos o piso é de US$ 2 mil. Devido à falta de lutas o resultado, na maioria das vezes, é o ostracismo. “Em seis meses, só fiz duas lutas. Na última, venci por nocaute aos 42 segundos”, conta Duda Yankovich, 17ª colocada no ranking mundial de sua categoria (64 kg). Atleta desde criança, a loira de 29 anos nasceu na Sérvia e adotou o Brasil em 2000. “Lá fora, apanho feito um cão e aqui não tenho adversária. Falta disciplina”, acredita. Único pugilista a ganhar uma medalha olímpica pelo Brasil (bronze em 1968), Servílio de Oliveira é otimista. “Chegar às Olimpíadas é questão de tempo”, diz.