A imagem diz tudo. Com o corpanzil estirado, um sombrero sobre o rosto e a tranquilidade de quem dorme um sono profundo, apesar das agitações do lado de fora, Manuel Zelaya parece ser o dono da casa. Transformou a embaixada brasileira em Tegucigalpa num palanque para retornar ao poder. Ou, quem sabe, até mesmo numa trincheira de batalha, caso o venezuelano Hugo Chávez e o nicaraguense Daniel Ortega consigam infiltrar tropas em Honduras para promover uma guerra civil no país. Eis aí o tamanho da encrenca em que o Brasil decidiu se envolver na semana passada, correndo o risco até de ser impelido a entrar num conflito armado, depois de quase 140 anos de paz. A troco de quê? Essa é a grande questão.

Até agora, Lula conseguiu a proeza de embalar a defesa do chavista Manuel Zelaya como uma causa nobre, em plena sede das Nações Unidas. Ao exigir seu retorno ao poder em Honduras, ele foi aplaudido por diversos líderes internacionais como um herói da democracia, que falava com a legitimidade de quem abrigava o presidente deposto na sua própria embaixada. Era a cena perfeita: um líder popular, cercado por tropas opressoras e protegido pelo Brasil. Tão perfeita que é difícil acreditar que não tenha sido minuciosamente planejada pelos ideólogos da política externa brasileira.

Além das aparências, no entanto, a realidade é bem distinta. Zelaya só foi deposto porque tentou violentar a Constituição hondurenha, ao propor um referendo em favor da própria reeleição. Caiu por decisão da Suprema Corte de seu país, referendada pelo Legislativo. E o governo interino convocou eleições gerais. Portanto, ainda que tenha havido uma ruptura, não é tão óbvio discernir entre o que é democrático ou golpista em Honduras. E como Zelaya já não quer asilo no Brasil nem pretende sair da embaixada, o Itamaraty é hoje refém do chavismo.

Apesar de todos os riscos assumidos, que contrariam a tradição diplomática brasileira, há até uma certa coerência com outros movimentos recentes do governo petista, que vêm ganhando contornos de um chavismo light. Lula já avisou que vai mudar os índices de produtividade do campo, dando mais gás ao MST, e tem também emitido sinais estatizantes na economia. Além disso, um filme que cultua sua personalidade está prestes a ser lançado. E, como pano de fundo, a candidata oficial do PT, Dilma Rousseff , parece naufragar. Às vésperas de 2010, um ano em que Lula já avisou que "o bicho vai pegar", há uma dúvida no ar: será que nosso alinhamento à revolução bolivariana de Hugo Chávez poderá ir além da política externa?